Entrevista



Oswaldo Prado - Brasil, uma nação evangélica?



Por Jamierson Oliveira

Oswaldo, escreva aqui um pouco sobre sua formação acadêmica, experiências e ministério. Com base nas suas informações escreverei a introdução da nossa entrevista.

Informações...

- Trabalhei por 14 anos na indústria automobilística (Ford do Brasil) na área de finanças e pessoal

- Pastoreei por 20 anos a Igreja Presbiteriana Independente do Ipiranga, SP (1979 a 1998)

- Missionário da Sepal desde 1998, hoje servindo junto à equipe Sepal Sul, em Londrina, PR

- Bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, Mestre em Teologia, com especialização em Missiologia, pela Faculdade Teológica Sul Americana, Londrina, PR, e doutorando em ministério

- Coordenador Nacional do Projeto Brasil 2010, Presidente Interino do Centro Global de Missões Dr. Paul Pierson, Londrina, PR e membro da Comissão de Missões da Aliança Evangélica Mundial

Defesa da Fé – Qual a sua análise geral da amostragem religiosa do último Censo do IBGE?

Oswaldo Prado – Mesmo tendo avançado muito na década de 80, com um crescimento de mais de 5% ao mês, fiquei agradavelmente surpreso com os números mostrados no censo de 2000 em relação aos evangélicos brasileiros. Superamos a marca de 70% de crescimento em uma década, o que, convenhamos, é algo extraordinário, e também inusitado. Se estivermos crescendo nos mesmo níveis da última década deveremos ser hoje aproximadamente 35 milhões de evangélicos e 19% da população brasileira.

Um dado importante a ser colocado é que estes números refletem todos aqueles que de alguma forma se declaram evangélicos. Sendo assim, inclui-se dentro deste contingente uma boa parte de evangélicos nominais, que raramente participam efetivamente da vida da Igreja.

Defesa da Fé – Como a geografia deste Brasil gigantesco afeta a religiosidade do brasileiro?

Oswaldo – Trata-se de uma tarefa quase utópica tentar resolver esta equação entre a religiosidade brasileira e a sua geografia. Vivemos definitivamente num país de dimensões continentais. Além disso, somos um povo miscigenado não somente de culturas, mas também de espiritualidades as mais variadas. Sendo assim, temos descoberto alguns fatos interessantes. Hoje, por exemplo, a região norte do Brasil é uma das mais densas em termos de população evangélica. Encontramos altos índices de presença evangélica em estados como Roraima e Rondônia. Numa pesquisa recente feita em Manaus pelo Projeto Brasil 2010 encontramos mais de 2000 igrejas evangélicas, algo inimaginável até algum tempo atrás. Por outro lado, o sertão nordestino carrega uma herança fortemente católica e sincretista. Se rumarmos para o extremo sul do país, iremos encontrar o secularismo e as seitas como umbanda e candomblé avançando de maneira surpreendente, fazendo com que o Rio Grande do Sul seja hoje o estado onde os evangélicos menos crescem, e onde as seitas afro-brasileiras mais avançam. Este é o nosso Brasil, tão extenso territorialmente, e com tantos desafios para se tornar uma nação efetivamente cristã.

Defesa da Fé – Um dado que me chamou a atenção é que 7,4% dos brasileiros se declararam sem religião. Como o senhor interpreta esse fato?

Oswaldo – Poucos tem dado atenção a este fato do crescimento daqueles que se declaram “sem religião”. Na verdade, quem cresceu mais na década de 90 depois dos evangélicos foi este grupo. E tudo indica que continuam crescendo, especialmente nas camadas mais intelectualizadas da população. Isso quer dizer, entre os universitários, entre os que promovem as artes e cultura e os livre pensadores.

Um fato preocupante é que a Igreja não parece estar tão atenta a tudo isso, e tem ido em busca da evangelização de outros grupos. A meu ver, aparentemente, a Igreja não dispõe hoje de ferramentas adequadas para dialogar com este grupo. Isso me faz lembrar o que disse o Dr Francis Schaeffer muito tempo atrás quando servia junto aos universitários na Suíça, como um pensador cristão: “A Igreja está normalmente 15 anos atrás daquilo que hoje está acontecendo no mundo”.

Defesa da Fé – Há evangélicos entre esse grupo?

Oswaldo – Não saberia dizer se há evangélicos entre esse grupo. Mas certamente existem muitos que estavam em nosso meio e que hoje se declaram totalmente desiludidos com a religião. E o rumo destes normalmente é tornar-se alheio a tudo aquilo que diga respeito ao evangelho. As portas de saída da Igreja também tem sido largas e o desejo as vezes incontrolável de crescimento a todo custo tem provocado toda sorte de decepções na vida de muitos cristãos.

Defesa da Fé – Enquanto que outros grupos aparecem no Censo 2000 com baixa expressividade no Brasil. O acontece com essas religiões?

Oswaldo – O maior crescimento negativo mostrado pelo Censo 2000 ocorreu exatamente com o grupo que detém o maior percentual de adeptos no Brasil. A Igreja Católica Romana perdeu praticamente 20% dos seus fiéis entre 1990 e 2000, e tudo indica que este processo de encolhimento prossegue.

Há outros grupos que estão vinculados etnicamente, e que por serem pequenos, consequentemente também tem pouca expressividade. Aqui se incluem o hinduísmo, o budismo e o islamismo que no censo de 2000 totalizavam aproximadamente 250.000 adeptos.

Outros grupos religiosos como umbanda, candomblé e o próprio espiritismo se mostram ainda com pequena representatividade oficial (ao redor de 3 milhões de adeptos), mas certamente estão inseridos na vida de muitos que preferem não declarar que pertencem a estas religiões, e que apenas vem demonstrar que vivemos imersos em um grande universo sincretista.

Defesa da Fé – E os evangélicos? Já se passaram 150 anos desde a chegada dos primeiros missionários no Brasil. Qual a avaliação que podemos fazer?

Oswaldo – A história dos evangélicos no Brasil é bastante recente se tomarmos em conta a herança reformada protestante. Passamos por algumas fases no decorrer deste processo. A primeira delas com a inserção missionária a partir da metade do século 19, com a presença mais marcante dos congregacionais, metodistas, presbiterianos e batistas. O início do século 20 marca a entrada dos pentecostais, em especial da Assembléia de Deus e que vai detonar o início de um processo de pentecostalização crescente em nosso meio. A partir da década de 70 nasce de forma mais visível o movimento neo-pentecostal que vai se espalhar por todo o país e irá se tornar responsável por um novo paradigma de espiritualidade, onde vai imperar os postulados da teologia pentecostal sem a presença forte dos dogmas de usos e costumes. O Censo de 2000 mostrou claramente que aproximadamente 2/3 dos evangélicos brasileiros são pentecostais ou neo-pentecostais.

O que dizer de tudo isto? Claro que nestes últimos tempos temos visto sinais positivos da presença evangélica. Em muitos cantos deste país há ilustres anônimos e desconhecidas igrejas realizando a missão integral da Igreja, levando o evangelho, mas cuidando também das desgraças de nossa sociedade corrompida e injusta. Há movimentos missionários, fazendo com que brasileiros sejam enviados para muitos lugares do mundo. Percebe-se um processo de conscientização da missão da Igreja tanto em Jerusalém, como até os confins da terra.

Mas, claro, há movimentos visíveis que estão indo na mão contrária a tudo isso. Nunca a Igreja buscou tanto holofotes para si mesma. Há uma busca desenfreada de crescimento, sem levar em conta o discipulado e a maturidade na fé cristã. Muitos dos líderes lutam para ser reconhecidos pelo seu sucesso e não por seu comprometimento com a cruz. Em suma, a religião se tornou um bom negócio, mesmo que se tenha que jogar a ética fora.

Em resumo, vivemos um grande paradoxo. São dias de avanço sem precedentes. São dias de grande perigo, pois o nosso Deus não troca sua Glória com ninguém.

Defesa da Fé – Então suas pesquisas demonstram no sentido que ainda precisamos de missionários em “Jerusalém”?

Oswaldo – Ainda falta muito para alcançar a nossa nação com o evangelho de Cristo. Percebo muito ufanismo nos dias de hoje no meio dos evangélicos. As vezes passa a impressão de que a tarefa já foi concluída.

O Brasil 2010, através da sua coordenação de pesquisa, tem procurado não somente levantar as informações sobre como anda a Igreja nos mais variados pontos da nação, mas também trabalhar na conscientização da necessidade da evangelização de inúmeras cidades, povoados e tribos em nossa nação.

Os dados de 2000 mostram a existência de 1132 municípios com menos de 5% de evangélicos, de um total de 5560 municípios brasileiros. As grandes metrópoles, como Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro continuam a ser enormes desafios para a evangelização.

O desafio da simultaneidade de missão permanece. Enquanto devemos enviar nossos missionários para outros povos da terra, precisamos alcançar nossas “Jerusaléns”.

Defesa da Fé – O senhor acredita numa crise do modelo atual de evangelização?

Oswaldo – Não acredito que exista um só modelo de evangelização. Na verdade, o próprio Jesus foi extremamente criativo, usando situações as mais variadas para compartilhar das boas novas. O que mais temos aqui no Brasil são modelos. Infelizmente, a maioria deles importado, e descontextualizados.

O que parece estar em crise é o próprio evangelho. Este sim tem sido muitas vezes deturpado e relativizado. Já foi o tempo em que se pregava sobre a simplicidade do evangelho de Jesus, ou seja, sobre arrependimento e fé. Hoje em dia, adicionamos outros ingredientes para torná-lo mais atraente aos nossos ouvintes. Exatamente por isso “a mensagem da cruz” tem rareado e tem sido difícil ouvir sobre Jesus, por mais incrível que isso possa parecer.

Defesa da Fé – Diante desse quadro como entender o chavão evangélico “O Brasil pertence ao Senhor Jesus”?

Oswaldo – Frases lapidares como essa tem se tornado comuns no meio evangélico. Infelizmente declarar certas expressões não produz necessariamente a transformação da nossa nação. O que a Bíblia ensina é que temos que pregar. Valeria a pena indagar: se o Brasil já pertence ao Senhor Jesus, porque ainda vivemos em um país corrupto, repleto de injustiças, e onde a saúde e a educação é privilégio de poucos? Declarações de conteúdo positivo podem ajudar na motivação, mas resta saber se estamos dispostos a pagar o preço de levar esta mensagem a todos os povos da terra.

Melhor seria substituirmos estas frases por aquela dita por Bartimeu diante de Jesus: “Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!”.

Defesa da Fé – Por que a televisão e o rádio não ajudaram a mudar essa realidade?

Oswaldo – Jamierson, prefiro não responder a esta questão, por não estar a par de toda essa realidade.

Defesa da Fé – Qual a proposta do Projeto Brasil 2010 para se alcançar essas cidades?

Oswaldo – A visão do Projeto Brasil é permitir que haja uma igreja acessível a cada pessoa em nossa nação, nesta geração. Para nós, a questão fundamental é a acessibilidade. Como permitir que isso aconteça? Trabalhamos em 3 áreas: visão (para que haja despertamento para plantação de novas igrejas); oração (para que o Senhor envie os obreiros e o Espírito Santo realize a obra) e pesquisa (para que sejamos estratégicos e saibamos onde estão as cidades menos alcançadas).

Defesa da Fé – Essa estratégia inclui as comunidades étnicas?

Oswaldo – O Projeto Brasil 2010 é fundamentalmente inclusivo, no que se refere as comunidades que precisam ser alcançadas. Com isso, estamos procurando servir não somente este ou aquele grupo, mas, se possível, o maior número de grupos etno-linguístícos presentes em nossa nação. Temos trabalhado em parceria com as organizações missionárias que servem juntos às tribos indígenas. Também temos atuado junto as chamadas tribos urbanas (www.tribalgeneration.org). E nossos olhos também tem sido colocados no alcance das tribos ribeirinhas da Amazônia e do sertão nordestino.

Defesa da Fé – Como foi estabelecido o critério de uma igreja para cada mil pessoas?

Oswaldo – A visão do Brasil 2010 tem sua origem num projeto iniciado nas Filipinas, na década de 1970, quando as igrejas, denominações e pastores se uniram para plantar 50.000 novas igrejas naquele país até o ano 2000. Isso significava ter uma igreja acessível para cada 1000 habitantes. Este alvo não somente foi alcançado pela igreja das Filipinas, mas ultrapassado. Na verdade, trata-se apenas de um critério, pois entendemos que se uma igreja for plantada estrategicamente ela poderá servir ao redor de 1000 pessoas daquela região. Estimamos hoje que existam ao redor de 150.000 templos evangélicos em toda a nação, e o alvo do nosso projeto é que tenhamos 250.000 até o ano 2010, plantadas estrategicamente.

Defesa da Fé – Qual o valor necessário a ser investido para atingir esses objetivos?

Oswaldo – Todos os coordenadores nacionais e regionais que servem o Projeto Brasil 2010 são missionários que levantam seu próprio sustento. Além disso, muito do trabalho de pesquisa que tem sido feito em muitas cidades do nosso país, tem acontecido através de voluntários que tem acreditado na visão de plantação de novas igrejas. E se porventura você deseja conhecer mais ou fazer parte deste ministério, acesse nosso site: www.brasil2010.org.

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