Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé (1Jo 5.4)
O jainismo demonstra uma séria preocupação pela alma humana e sua relação com as leis que governam a existência no universo, com os outros seres viventes e com seu próprio estado futuro na eternidade. Primeiramente, e antes de tudo, os jainistas pregam seguir uma religião sensível, a regra de ouro é o Ahimsa, ou seja, o princípio da não-violência em todos os aspectos da pessoa: mental, verbal e físico. Os jainistas possuem uma grande compaixão por todas as formas de vida.
Foi fundado entre 599 e 537 a.C., pelo nobre indiano Nataputa Verdamana, que posteriormente recebeu o título honorífico de Verdamana Mahavira, ou "o Grande Herói". O jainismo encontra a origem de sua nomenclatura no sânscrito, derivando do termo "jaina", o qual se traduz por "vitorioso".
Essa filosofia é considerada um dos principais sistemas heterodoxos dentre os que podem ser observados nas dissidências hinduístas, tendo sido a primeira a emergir de diferenças surgidas dentro do hinduísmo, fato que ocorreu por volta do século VI a.C. As diversidades que acabaram promovendo o cisma e o conseqüente surgimento desta ramificação, versavam sobre os conceitos até então usuais e que se referiam às divindades, revelando uma tendência que apontava para a rejeição da crença em Deus.
Mahavira foi o maior difusor dos conceitos doutrinários desta religião. Segundo a tradição, após a morte de seus pais, tornou-se um fervoroso perseguidor da iluminação espiritual, objetivo que teria alcançado após doze anos de vida ascética, abstendo-se das vestes corporais e vagueando nu por toda a Índia, deixando o cuidado corporal e permanecendo mudo durante todo este período, quando já contava quarenta e três anos de vida.
A relação dos livros sagrados do jainismo, originariamente, são compostos no idioma ardhamagadhi, e cuja transmissão oral se assemelha à forma como se observa no hinduísmo. Essa coleção de escritos foi vitimada por extravio aparente desde o século III d.C., afirmando seus adeptos que esta mesma tradição oral teria sido reescrita por volta do ano 454 d.C. Uma peculiaridade dessa dissidência hindu, talvez a maior, é a rejeição dos Vedas, incluindo seu panteão de divindades e suas muitas cerimônias, além de reputar como supérfluo o sacerdócio brâmane.
Também consta desta época (III d.C.) o surgimento de um cisma na religião, formando duas correntes de pensamento acerca de até que ponto deveria evoluir o caráter. Uma das correntes entendia ser o correto a abstenção até mesmo das vestes, aos quais atribuiu-se o título de digambaras, termo que se traduz por "vestidos de céu" ou "nus"; os contradizentes contraíram um nome oposto, os shvetambaras (vestidos de branco), por causa de sua indumentária originariamente branca. Cada uma delas desenvolveu sua própria literatura, mas sempre, tanto numa como noutra cultura jainista, explorando as questões do carma, preservando-se ambas dentro dos territórios da Índia e resistindo ao tempo, mantendo seus costumes, crenças e práticas.
Após a morte de Mahavira, esta religião passou a ser liderada por um povo chamado ganadharas (líderes da assembléia), os quais continuaram a propagar suas crenças pelos territórios da Índia, entretanto, por dispensarem a modernidade dos transportes motorizados, viajando sempre a pé, esta lenta e difícil divulgação impediu uma maior expansão de suas crenças.
Acha-se ainda, dentro das sagradas escrituras jainistas, como portadoras de seus princípios, as doze angas, que possuem posição suprema, mas é no segundo volume desta coleção, que encontramos as bases para a compreensão da natureza deste grupo religioso. Ele fala sobre o reconhecimento daquilo que escraviza a alma, para que, uma vez reconhecido, seja removido. Todas as coisas são eternas por sua própria natureza. Estes escritos também ensinam que o ignorante, independente de sua opinião, é prisioneiro tal qual pássaro na gaiola. Aponta para três formas de pecado: aquele que se comete pelos atos; aquele que é autorizado e aquele que é aprovado, esclarecendo, em contrapartida, que o sábio se afasta na mesma intensidade do amor e do ódio.
Por odiarem a dor, logo, todos os seres vivos devem ser poupados da morte provocada, o que, na literatura jainista, se coloca como princípio de toda a sabedoria, além do abandono do orgulho, da ira, do engano e da cobiça, sabendo que os homens, na verdade, sofrem, cada qual, pelas conseqüências das práticas pecaminosas praticadas por eles mesmos.
Também deve fazer parte da consciência do sábio a verdade acerca de que todos os seres vivos sofrem, posto que é este pensamento que impede o homem de mergulhar na presunção, uma espécie de chaga do caráter defeituoso.
As boas ações, segundo rezam os angas, não devem ser utilizadas para auto-promoção, mas sim, empregá-las para atender às necessidades de todas as coisas vivas, colaborando em tudo aquilo em que gostaria de receber colaboração.
O jainismo comunga do conceito budista que vislumbra a possibilidade de salvação com base apenas nas virtudes do indivíduo, dispensando a intervenção de quaisquer divindades para este fim. A esperança de salvação dentro do entendimento jainista está presa a três normas principais: o conhecimento; a fé e uma conduta correta.
O empenho de cada indivíduo neste aspecto acaba por determinar um ascetismo intenso, por meio do qual se alcança a plena libertação do espírito humano. O renascimento e o carma são as doutrinas básicas mais importantes do código sacro jainista. Esboçando similaridade às profissões de fé que aplicam os ensinos reencarnacionistas, também aqui se reconhece que é na salvação que opera a libertação definitiva dos ciclos de renascimento, a cuja situação seus adeptos atribuem o nome de "conhecimento perfeito" e, para os quais, todavia, o conhecimento temporal, está associado ao princípio de syadvada. Este termo se traduz por "talvez", significando que todo o conhecimento humano se limita à probabilidade e à parcialidade, não podendo exaurir o todo de qualquer disciplina social, científica ou religiosa.
As questões atinentes ao conhecimento ainda são mais abrangentes, dividindo-se esta parte da liturgia jainista em classes, que são: "o conhecimento ordinário", identificado por meio da memória, do reconhecimento e da indução; "o conhecimento por meio de sinais e símbolos", que abrange a associação de idéias, a compreensão e algumas questões relacionadas ao verdadeiro sentido das coisas; "o conhecimento à distância", mescla de clarividência e meios psíquicos; "o conhecimento dos pensamentos alheios¬", uma espécie de telepatia; e o "conhecimento perfeito", nível de conhecimento que só pode chegar àquele que usufrui salvação; estágio no qual se anula o conhecimento temporal limitado pela parcialidade que proporciona, além do vínculo indissolúvel com o "talvez".
Acreditam na eternidade universal, entendendo que o universo se move por meio de ciclos contínuos de ascensão e queda, movimento do qual acreditam advir o estado ideal. O universo não conta, segundo eles, com qualquer Deus supremo, que o tenha criado que promova sua subsistência, possuindo, porém, divindades secundárias, sendo certo aos seus seguidores que todas as ocorrências terrenas seguem uma ordem previsível, por serem originárias de meras forças mecânicas do cosmos. Assim, o jainismo como forma filosófica religiosa não possui vínculo específico de servidão com qualquer Deus formal, muito embora considerem que aqueles que alcançaram a definitiva libertação espiritual pelo conhecimento perfeito adquiram status de divindade, porém, mesmo assim, numa compreensão um tanto quanto distinta daquela observada no cristianismo, por exemplo.
Não podemos omitir, entretanto, que embora Mahavira tivesse abominado o reconhecimento de deuses por parte de seus seguidores, ele mesmo passou a se tornar uma divindade após sua morte, tornando-se um ídolo de adoração para os jainistas. É nesta oportunidade que recebe o título de vigésimo quarto Tirthankara; o último e maior dos seres salvadores, passando a ser considerado como alguém que tivesse descido do céu sem pecados e portador da plenitude do conhecimento.
Independentemente do espaço ou posição que a matéria viva ocupa no globo, é classificada por alma e, cada uma delas, num incondicional estado de transmigração. Essas essências são divididas em cinco classes.
A primeira classe seria a dos Nígodas, seres que não possuem qualquer percepção que provenha dos sentidos, o que os relevaria a classes inferiores, até mesmo, à classe dos minerais e das pedras, provavelmente numa alusão aos elementos do átomo, nos quais não se observa, efetivamente, qualquer qualidade que seja inerente ao ser.
A segunda classe é constituída pelos "seres com um único sentido". Para esta classe o tato seria o único ponto de contato com o todo. É aqui que se encaixariam a água, as pedras, o fogo e demais minerais, além das raízes vegetais consumíveis.
A terceira classe seria a dos "seres com dois sentidos". Nesta classe se encontram o tato e o paladar, além da possibilidade de desenvolverem alguma forma de comunicação. São os vermes.
A quarta classe seriam os "seres com três sentidos". Dotadas de tato, olfato e paladar, este grupo de seres abrange os insetos, os escorpiões e os mosquitos.
Finalmente, a quinta classe seria a dos "seres com cinco sentidos", não importando o lugar ou "estado" no qual se encontre o indivíduo desta classe, celestial ou infernal; os animais superiores, o homem e os habitantes de outros mundos. A mente seria um sentido adicional que alguns destes seres possuiriam.
Para o jainismo, a alma, uma vez liberta do ciclo constante de renascimentos, atinge a verdadeira imortalidade, sendo neste ponto que o indivíduo adquire atributos e posição de divindade, como o da onisciência, por exemplo. Este estágio é atingido por bem poucos indivíduos, segundo se constata em sua doutrina, mas, os poucos a alcançá-la, passam a receber a veneração dos vivos, têm templos construídos em sua homenagem, tornando-se exemplos para as futuras gerações de jainistas. O jainismo contabiliza hoje cerca de três milhões e quinhentos mil seguidores.
De forma resumida, o código de conduta jainista fundamenta-se em cinco votos e suas conclusões lógicas: Ahimsa (princípio da não-volência), Satya (veracidade), Asteya (não roubar), Aparigraha (desapego aos bens materiais), e Brahmacharya (castidade).
A estes votos, posteriormente, Mahavira acrescentou o celibato, além de requerer dos aspirantes ao monastério uma vida de intensos exercícios espirituais de mortificação, devoção e meditação religiosa.
Baseado nesta vida de resignação, o termo "jaina" parece retratar o significado paralelo ao da palavra "santo", empregada entre os que seguem o cristianismo, uma vez que sua definição está diretamente relacionada à "vitória" sobre as mazelas e vicissitudes cotidianas.
O vegetarianismo é um modo de vida para os jainistas, tendo sua origem no conceito de compaixão pelos seres vivos. A observância do vegetarianismo é vista como uma prática da não-violência e da coexistência pacífica e cooperativa entre os seres viventes. Os jainistas são vegetarianos rigorosos e consomem estritamente seres do reino vegetal. Apesar de a doutrina jainista implicar dano às plantas, isto é visto como forma digna de sobrevivência, que causa o mínimo de violência entre os seres vivos. Mesmo assim, muitas formas vegetais, incluindo raízes e certas frutas também estão excluídas da dieta jainista devido ao grande número de seres vivos dependentes delas.
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