Apologética



As confusões e heresias de Joseph Prince


Por Vinicius Couto

O confronto ao pecado como legalização e a busca dasantificação como apologia da lei.

Joseph Prince, nascido em 15 de maio de 1963, em Cingapura, é pastor sênior e um dos fundadores da megaigreja New Creation. Filho de um sacerdote indiano sikhi e de uma mulher chinesa, tornou-se um preletor conhecido internacionalmente em função do best seller Destinados a reinar. Possui, ainda, um programa de TV, homônimo do livro citado, que é transmitido em mais de 150 países. Seus principais ensinos se baseiam num entendimento adquirido em revelações sobre a graça de Deus, conforme ele mesmo conta: "Tudo começou em 1997, quando eu [.] ouvi distintamente a voz do Senhor dentro de mim. Não era uma impressão do Espírito. Era uma voz, e eu ouvi claramente Deus me dizer: 'Filho, você não está pregando a graça'. Eu disse: 'Como assim, Senhor? Isso é um golpe baixo. Isso é um verdadeiro golpe baixo!'. E acrescentei: 'Eu sou um pregador da graça. Tenho sido um pregador da graça durante anos e, assim como muitos pregadores, prego que somos salvos pela graça!'. Deus disse: 'Não. Toda vez que você prega a graça, você a apresenta misturada com a lei. Você se esforça para contrabalançar a graça com a lei como muitos pregadores, e, no momento em que equilibra a graça, você a neutraliza. Não se pode colocar vinho novo em odres velhos. Você não pode colocar a graça e a lei juntas'. E prosseguiu: 'Filho, muitos pregadores não estão pregando a graça do modo como o apóstolo Paulo o fazia'". Com tais novos entendimentos, Prince acaba alterando algumas doutrinas essenciais do cristianismo, confundindo graça, justificação, santificação e alguns atributos divinos como a justiça e a soberania. Vejamos, a seguir, alguns desses pontos controvertidos.


A graça de Deus


Prince entende que a graça de Deus nos perdoa de todos os pecados do passado, do presente e do futuro, e que, dessa forma, não somos mais responsabilizados por eles. Assim sendo, sob a nova aliança "não precisamos ficar pedindo ao Senhor [.] perdão, porque Ele já nos perdoou".

O grande risco desse ensino é gerar nas pessoas uma falsa segurança, como se a santificação fosse algo desnecessário, uma vez que "todos" os pecados já estão perdoados e, agora, não temos responsabilidade sobre eles. Isso leva a uma doutrina antinomiana, que despreza, inconscientemente, a santificação, sob uma falsa ideia triunfalista do perdão dos pecados.

Sobre pedir perdão, a Bíblia fala por si só: Jesus nos ensinou a pedir perdão em nossas orações (Mt 6.9-15); Simão, aquele que quis comprar o dom de Deus, é instruído a pedir perdão a Deus (At 8.17-24); as conversões em Éfeso foram marcadas por queima de livros de magia e confissão de pecados (At 19.17-19); quando confessamos nossos pecados uns aos outros e oramos uns pelos outros, somos perdoados (Tg 5.14-16); se confessarmos nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar e nos purificar (1Jo 1.9); o que não confessa o pecado a Deus não prospera, mas, o que confessa e deixa, alcança misericórdia (Pv 28.13); quando pecamos, Deus nos contrista por tal prática por meio do Espírito Santo, levando-nos ao arrependimento (Rm 2.3,4). Enfim... a lista é imensa! (V. tb. 2Co 12.20,21; 2Tm 2.24-26; 2Jo 2.1; Ne 1.1-11; Dn 9.2-6; Jó 1.5; Sl 38.17,18).


A Igreja é exortada a vencer o pecado


A necessidade de vencer o pecado é uma doutrina completamente bíblica e faz parte das exortações às igrejas em todas as epístolas. Contudo, uma mensagem que cobre do cristão essa postura de santificação é encarada por Prince como legalismo: "Eles pregam que o pecado não tem domínio sobre você quando você está cumprindo a lei! Isso, meu amigo, é como adicionar lenha ao fogo, porque a força do pecado é a lei. O pecado é fortalecido quando mais lei é pregada! Mas, o poder de ter domínio sobre o pecado é transmitido quando mais graça é pregada!".

Na versão em inglês, o início da citação toma uma conotação um pouco diferente: "Então, quando eles [os pregadores] veem pecado, pregam mais da lei. Isso, meu amigo." (p. 26). Essa diferença na tradução muda completamente o sentido expresso originalmente pelo autor, uma vez que não ouvimos ninguém pregando que o cumprimento da lei nos afasta do pecado.

O problema de Prince nessa afirmação é duplo: 1) enxergar como legalista uma mensagem de confronto contra o pecado e 2) confundir exortação à santificação com apologia da lei. Se ele estiver certo, o que fazer com textos da Bíblia que nos exortam a vencer o pecado, já que, se nos basearmos neles, seremos pregadores legalistas? Os textos são inúmeros. Vejamos:

Os romanos são exortados a se tornarem servos da justiça para a santificação (Rm 6.19). Os coríntios são advertidos a não praticarem obras como devassidão, idolatria, adultério, prática homossexual, furtos, avareza, bebedice e maledicência, pois, foram lavados, santificados e justificados em Cristo (1Co 6.9-11). Assim, eles deveriam se aperfeiçoar no processo de santificação (2Co 7.1). Os gálatas foram prevenidos contra uma série de obras carnais que não deveriam praticar (Gl 5.19-21). Os efésios foram instruídos a se revestirem do novo homem, criado para santidade, deixando, portanto, uma série de obras pecaminosas (Ef 4.20-31). Os filipenses foram aconselhados a se tornarem irrepreensíveis, sinceros e imaculados (Fp 2.14,15). Os colossenses deveriam exterminar as inclinações carnais. E a lista não era pequena (Cl 3.5-10). Os tessalonicenses foram notificados de que deveriam cumprir a vontade de Deus: a santificação. Quem rejeitasse essa doutrina estava rejeitando o próprio Deus (1Ts 4.1-8). A conduta deles não deveria ser desordenada, mas, segundo a tradição de santidade que receberam (2Ts 3.6,7). Os hebreus deveriam deixar todo pecado e resisti-lo com todas as suas forças (até o sangue), afinal, sem santidade ninguém verá o Senhor (Hb 12.1,4,14).

E mais: Timóteo foi instruído a seguir a caminhada cristã sem mácula e irrepreensível (1Tm 6.13,14), afastando-se da injustiça (2Tm 2.19). Tito recebeu uma verdadeira revelação: a de que a graça de Deus se manifestou, ensinando-nos que devemos renunciar à impiedade e às paixões mundanas, a fim de esperarmos o aparecimento da glória de Deus (Tt 2.11-13). Filemom deveria esquecer-se das mágoas passadas e Paulo sabia que ele obedeceria a essa direção fazendo ainda mais do que era pedido (Fm 1.21). Tiago mostra a necessidade de suportarmos as provações e diz que somos tentados segundo nossas próprias concupiscências. Sendo assim, precisamos ser vigilantes. Caso contrário, essas cobiças, inerentes à nossa natureza caída, podem consumar o pecado, gerando morte (Tg 1.12-15). Pedro diz que os crentes não devem se conformar com as concupiscências da vida passada, antes, que devemos ser santos em todo o nosso procedimento, pois, quem nos chamou é santo (1Pe 1.13-16). E diz, também, que alguns irmãos não haviam buscado com diligência as virtudes do Espírito, esquecendo-se da purificação dos seus antigos pecados (2Pe 1.5-9).

E, por fim, ainda temos os testemunhos de João e Judas. João disse que todos nós pecamos. Entretanto, isso não quer dizer que o pecado é habitual, mas acidental, pois, aquele que é nascido de Deus não pode continuar pecando. Se pecarmos acidentalmente, temos um Advogado fiel e justo que nos perdoa e purifica dos pecados e de toda e qualquer injustiça (1Jo 1.9,10; 2.1; 3.1-9). Na segunda epístola, ele diz que quem vai além do ensino de Cristo não é de Deus. Originalmente, ele se referia aos gnósticos, mas, a passagem pode abranger mais situações dos nossos dias.

Se alguém vai além do ensino de santidade ao Senhor, induzindo a igreja ao pecado, obviamente o tal não é de Deus (2Jo 9). Em sua terceira carta, João diz a Gaio que não imite as obras do mal, mas as de Deus, fazendo o bem (3Jo 11).

Judas, por sua vez, lembra-se das palavras dos apóstolos sobre os homens dos últimos tempos: escarnecedores, de ímpia concupiscência, que causam divisões, são sensuais e sem o Espírito. Mas, os crentes deveriam se conservar no amor de Deus, confiando naquele que é poderoso para guardá-los de tropeçar e mantê-los imaculados e jubilosos (Jd 17-24).


A justificação pela fé


Prince confunde justificação com santificação.

A justificação é um ato judicial de Deus e ocorre instantaneamente e junto com a regeneração e a santificação inicial. Orton Wiley definiu a justificação como um ato "declarativo de Deus pelo qual considera os que, com fé, aceitam a oferta propiciatória de Jesus Cristo, como absolvidos dos pecados, libertados da pena e aceitos como justos diante de Deus".

Em contrapartida, Prince, equivocadamente, entende que os pregadores ortodoxos ensinam uma justificação pelas obras: "... dizem que Deus dá a você a dádiva da justiça, sob a condição de que você guarde os dez mandamentos, pelo resto de sua vida, para manter a justiça. Agora, isso é mesmo um presente? Ora, vamos - quando Deus deu a você a dádiva da justiça, foi um presente real. Pare de tentar alcançá-lo com suas próprias obras. Os presentes de Deus para nós são incondicionais!".

A regeneração, a justificação e a santificação inicial são o ponto de partida e não a linha de chegada. Mas, a confusão de Prince sobre esse assunto é grave, pois, jamais veremos um pregador ortodoxo ensinando que a nossa obediência nos trará justificação, pois somos justificados pela fé, por meio do sacrifício de Cristo (Rm 5.1,8,9).

Embora nossas obras não sejam suficientes para satisfazer a ira de Deus e nos justificar do pecado, isso não quer dizer que não tenhamos que produzi-las. Vejamos o que diz o texto clássico sobre salvação pela graça: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas" (Ef 2.8-10).

Embora nossa salvação não se dê pelas nossas obras, Deus nos preparou, de antemão, para que andemos em boas obras. Afinal, a fé sem obras é morta e não excede à fé dos demônios (Tg 2.14-20).

Obras não salvam, mas todo salvo deve produzir obras.


A justificação na visão de Prince


O ensino de Prince sobre a justificação é perigoso, pois, gera uma falsa expectativa nas pessoas sobre a salvação e a necessidade de santificação. Vejamos o que ele pensa: "Meu amigo, a justiça é um dom por causa do que Jesus conquistou na cruz para você. Todos os nossos pecados - passados, presentes e futuros - foram lavados por seu precioso sangue. Você está completamente perdoado e, a partir do momento em que recebeu Jesus em sua vida, nunca mais será aprisionado (responsabilizado) por seus pecados novamente".

Analisemos, a seguir, duas passagens:

 "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E, em teu nome, não expulsamos demônios? E, em teu nome, não fizemos muitos milagres? E, então, lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade" (Mt 7.21-23).

 "Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação [.] Porque não nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação. Portanto, quem despreza isso não despreza ao homem, mas, sim, a Deus, que nos deu também o seu Espírito Santo." (1Ts 4.3,7,8).

Como observamos, aqueles falsos profetas a que Jesus se refere não faziam a vontade do Senhor e são apontados por praticarem continuamente atos iníquos. Uma das vontades de Deus para o homem é que nos aperfeiçoemos na santificação. Todo aquele que tem esperança em Cristo "purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro. Todo aquele que vive habitualmente no pecado também vive na rebeldia, pois o pecado é rebeldia [.] Aquele que é nascido de Deus não peca habitualmente; porque a semente de Deus permanece nele, e não pode continuar no pecado, porque é nascido de Deus" (1Jo 3.3,4,9; 2Co 7.1; Rm 5.20; 6.1,2; Hb 12.14 ).

Se não há mais responsabilidade por nossos pecados, por que nos preocuparmos com uma vida santa e piedosa? Que propósito haveria, então, na santificação?


A justiça e a imutabilidade de Deus


Prince ensina que "aqueles que acreditam que Deus, algumas vezes, fica zangado com eles ainda estão vivendo sob a antiga aliança da lei e não sob a nova aliança da graça". Dando sequência a esse pensamento, diz, ainda, que "o ensino esquizofrênico que diz que Deus, algumas vezes, está zangado e outras, feliz com você de acordo com o seu desempenho, não é um ensinamento bíblico e fará de você um crente esquizofrênico". Com um conceito equivocado da graça, Prince acaba distorcendo também a justiça de Deus quando diz que nunca encontraremos "um exemplo de Deus punindo um crente por seus pecados na nova aliança".

O equívoco teontológico de Prince sobre a graça transforma Deus em um ser bobo, que não liga para o que fazemos, não nos responsabiliza por nossos atos, passa a mão em nossas cabeças e não nos chama ao arrependimento. O Espírito Santo se torna alguém inútil no convencimento do pecado, pois, se erramos, podemos manter nossa "paz psicológica" com Deus.

Dizer que Deus não nos responsabiliza pelo pecado é dizer que Deus é indiferente à nossa santificação. Sabemos que, pelo ato gracioso de Deus em Cristo, "onde o pecado abundou, superabundou a graça" (Rm 5.20). Mas, "que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que abunde a graça? De modo nenhum" (Rm 6.1,2).

Devemos resistir ao pecado até o sangue (Hb 12.4), mas, se pecarmos, podemos confessar o nosso pecado a Deus, pois, Deus é fiel e justo para nos perdoar e nos purificar (1Jo 1.9). Quando pecamos, somos contristados por Deus para o arrependimento (2Co 7.8-10). É o próprio Deus quem nos conduz à confissão.

Dizer que Deus é indiferente ao nosso pecado é uma grande heresia. Caso contrário, por que nos conduziria ao arrependimento? É verdade que não somos destruídos por causa de sua infinita misericórdia (Lm 3.22), mas, também, é verdade que o Senhor é tardio em irar-se (Êx 34.6; Ne 9.17; Sl 103.8-14). Joel declarou: "E rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao Senhor, vosso Deus; porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em beneficência e se arrepende do mal" (Jl 2.13).

Berkhof disse que a justiça de Deus "se manifesta especialmente em dar a cada homem o que lhe é devido, em tratá-lo de acordo com os seus merecimentos. A inerente retidão de Deus é naturalmente básica para a retidão que Ele revela no trato de suas criaturas, mas, é especialmente esta última, também denominada justiça de Deus, que requer especial consideração aqui. Os termos hebraicos para "justo" e "justiça" são: tsaddik, tsedhek e tsedhakah. Os termos gregos correspondentes são: dikaios e dikaiosyne. E todos contêm a ideia de conformidade a um padrão. Repetidamente, esta perfeição é atribuída a Deus na Escritura (Ed 9.15; Ne 9.8; Sl 119.137; 145.17; Jr 12.1; Lm 1.18, Dn 9.14; Jo 17.25; 2Tm 4.8; 1Jo 2.29; 3.7; Ap 16.5)".

João disse essas verdades quando se referia à confissão dos nossos pecados: Ele é fiel e justo (1Jo 1.9). Como Deus perdoará alguém que não se arrependeu? Antes, atuará com justiça. Lemos, em João 1.14: "O Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade". A graça foi expressa, por exemplo, na maneira como Jesus agiu para com a mulher adúltera, perdoando-a de seus pecados. A verdade, neste mesmo contexto bíblico, foi expressa pela maneira como o Senhor a abordou na sequência: "Vá e não peques mais" (Jo 8.11).

Se não há responsabilidade pelos nossos pecados futuros, por que Jesus disse para aquela mulher adúltera: "Vá e não peques mais"? Onde abundou o pecado dela, superabundou a graça de Cristo. Por que não continuar adulterando? Não haveria mais graça abundante? De modo nenhum (Rm 6.1,2).


Deus não pune na nova aliança?


A figura teontológica de um Deus extremamente gracioso, que deixa os pecadores na impunidade, é antibíblica. Jesus curou o paralítico que ficava próximo ao tanque de Betesda e, depois, lhe disse: "Olha, já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior" (Jo 5.1-9,14). Paulo disse que não podemos nos enganar, pois, "Deus não se deixa escarnecer; tudo o que o homem semear, isso também ceifará" (Gl 6.7).

Paulo disse aos romanos que eles deveriam se esforçar para ter paz com todos os homens e, também, que não deveriam buscar vingança, antes, deveriam deixar todas as coisas no controle de Deus: "Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus, porque está escrito: Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor" (Rm 12.19).

O autor da carta aos hebreus disse que "se voluntariamente continuarmos no pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma expectação terrível de juízo, e um ardor de fogo que há de devorar os adversários". Em seguida, ele lembra que, se pela lei a pessoa morria "sem misericórdia, pela palavra de duas ou três testemunhas", com maior castigo "será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do pacto, com que foi santificado, e ultrajar o Espírito da graça". Relembra que a vingança é do Senhor e conclui esse tema dizendo que "horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Hb 10.26-31; 1Co 11.28-30; Hb 12.5-7).

Diante de tudo isso, como é possível afirmar que Deus não pune na nova aliança? Só podemos estar diante de um erro conceitual do que seja uma punição!


A imutabilidade de Deus


Esse equívoco teontológico leva a mais uma deturpação dos atributos divinos: a imutabilidade. É como se houvesse dois deuses: um do Antigo Testamento e um do Novo Testamento. Com isso, Prince resgata uma heresia antiga: o marcionismo.

Sobre esse importante atributo, Deus disse, por meio do profeta Malaquias: "Pois eu, o Senhor, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos" (Ml 3.6). Tiago conclui: "Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação." (Tg 1.17; Hb 6.17,18). Será que Deus seria justo na antiga aliança e indiferente na nova?


Paulo e a confissão de pecados


Na visão de Prince, devemos descartar muita coisa da Bíblia, pois, boa parte dos ensinos de Jesus era legalista e o ensino de Pedro, Tiago e João, também. Desta forma, as cartas de Paulo seriam mais apropriadas. Leiamos isso nas palavras do autor: "Nem tudo o que Jesus disse foi falado para a igreja. As cartas de Paulo foram escritas para a igreja e, portanto, para o nosso benefício hoje. Deus o levantou para escrever as palavras do Jesus que ascendeu aos céus [.] Segui ao pé da letra o texto de 1João 1.9, e isso quase me deixou louco. Mas, o que 1João 1.9 realmente diz, e para quem ele realmente foi escrito? [.] As pessoas têm tomado esse versículo e construído toda uma doutrina ao redor dele, quando, na verdade, o capítulo 1 de 1João foi escrito para os gnósticos, que eram incrédulos [.] Não podemos construir uma doutrina sobre um versículo isolado. Se a confissão de pecados é vital para o seu perdão, então o apóstolo Paulo, que escreveu dois terços do Novo Testamento, cometeu uma grande injustiça conosco, porque ele não mencionou isso nem sequer uma vez - nenhuma vez - em qualquer de suas cartas à igreja."

A Bíblia possui unidade doutrinária. Não podemos escolher os textos que preferimos e excluir os que preterimos. Desta forma, basearemos nossos ensinos em textos isolados e correremos o risco de propagar aberrações doutrinárias, como é o caso das conclusões a que chegou Prince.

O pregador cingapuriano disse que os escritos de Paulo são mais apropriados à Igreja. Mas, o próprio apóstolo dos gentios disse que "toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente preparado para toda boa obra" (2Tm 3.16). Portanto, sustentar uma doutrina como essa baseada unicamente nos textos do apóstolo Paulo é abusar da hermenêutica.

Perguntamos: não devemos mais pedir perdão pelos nossos pecados cometidos após a nossa conversão e não temos mais responsabilidade sobre tais? Se algum crente cometer adultério conscientemente (não hipervalorizando esse pecado em detrimento de outros) não precisaria se preocupar, pois, não tem responsabilidade sobre seus pecados? A necessidade de se arrepender, confessar ao Senhor e deixar essa prática foi só para Davi, que estava sujeito à antiga aliança?

Assim, o que faremos com o texto de 1João 1.9? Bem, a resposta de Prince para essa pergunta é fácil: não foi um texto escrito para a Igreja, pois, o primeiro capítulo (segundo ele) foi escrito para os gnósticos. Já do capítulo 2 em diante (ainda segundo ele), foi escrito para a Igreja.

O que não compreendemos é como o texto de 1João 2.1 não se enquadra na categoria de confissão de pecados, uma vez que, para sermos absolvidos de um delito pelo justo Juiz, precisamos de uma boa defesa de nosso advogado. Para que um advogado (secular) monte sua defesa, precisamos falar com ele sobre nossa causa. Logo, confessamos nossas dívidas e delitos e somos mediados pelo Advogado fiel, obtendo perdão de nossas dívidas assim como temos perdoado nossos devedores (Mt 6.12).


Palavra de Deus ou Palavra de Cristo?


Exagerando no antagonismo lei versus graça, Prince acaba fazendo mais uma confusão sobre a pregação da Palavra de Deus. Segundo ele, há duas palavras dentro da Bíblia: "Observe que a fé não vem pelo simples ouvir a palavra de Deus, porque a palavra de Deus abrange tudo na Bíblia, incluindo a lei de Moisés. Não há liberação de fé quando você ouve os dez mandamentos sendo pregados. A fé só vem pelo ouvir a palavra de Cristo".

Jesus disse aos fariseus que as Escrituras (Antigo Testamento) deveriam ser analisadas, pois, nelas, encontrariam referências messiânicas: "Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; e são elas que dão testemunho de mim" (Jo 5.39).

Corroborando com este pensamento, Jesus disse, sobre uma passagem que testificava o seu messianismo: "Disse-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os edificadores rejeitaram, essa foi posta como pedra angular; pelo Senhor foi feito isso, e é maravilhoso aos nossos olhos?" (Mt 21.42).

Filipe apresentou Jesus ao eunuco de Candace mediante um trecho das Escrituras veterotestamentárias (At 8.32,35). Perguntamos a Prince: o texto usado por Filipe foi Palavra de Deus ou Palavra de Cristo? Pedro fez uma citação da lei ao povo que viu um homem, paralítico de nascença, ser curado e, ainda, conclui sua pregação mostrando que Cristo havia sido anunciado por Samuel e pelos demais profetas (At 3.22-24), ocasião em que cerca de cinco mil almas creram nessa mensagem (At 4.4).

Pedro enunciou a Palavra de Deus ou as Palavras de Cristo? Por tudo isso, insistimos: estaria Paulo equivocado quando disse que "toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente preparado para toda boa obra" (2Tm 3.16)?


Considerações finais


Recentemente, uma irmã em Cristo nos procurou pedindo nossa opinião sobre o livro Destinados a reinar. Dissemos que pesquisaríamos, pois, não conhecíamos nem o título nem o autor. Para nossa surpresa, não encontramos muita informação nos sites brasileiros, até porque o material é relativamente novo em território tupiniquim. Numa pesquisa mais refinada pelos centros de apologética norte-americanos, encontramos algumas informações que nos deixaram perplexos.

Ficamos ainda mais estarrecidos quando ouvimos algumas pessoas ensinando assuntos completamente deturpados sobre a graça de Deus. Quando ficamos sabendo que esses ensinos estavam baseados no livro em referência, resolvemos adquiri-lo, a fim de buscarmos nossas próprias conclusões.

Quando finalizamos a leitura, confessamos que nossa primeira impressão foi a mesma que teve Charles Spurgeon certa vez: "A apatia está por toda parte. Ninguém se preocupa em verificar se o que está sendo pregado é verdadeiro ou falso. Um sermão é um sermão, não importa o assunto; só que, quanto mais curto, melhor".

No caso de Prince, quanto mais "graça" (entre aspas) melhor. Que o povo de Deus possa buscar o genuíno entendimento da Palavra de Deus, pois, "se introduziram furtivamente certos homens [.] ímpios, que convertem em dissolução a graça de nosso Deus, e negam o nosso único soberano e Senhor, Jesus Cristo" (Jd 4).

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