Qual é a atitude do cristão em relação à guerra? É certo tirar a vida de outra pessoa por causa do governo? Há uma base bíblica para a guerra?
Várias respostas têm sido dadas a estas perguntas. Basicamente, há três pontos de vista adotados pelos cristãos. Primeiramente, há o ativismo que sustenta que o cristão deve ir para todas as guerras em obediência ao seu governo, porque o governo é ordenado por Deus. Em segundo lugar, há o pacifismo que argumenta que os cristãos não devem participar em guerra alguma ao ponto de tirar a vida dos outros, visto que Deus ordenou aos homens para nunca tirarem a vida de outra pessoa. Finalmente, há o seletivismo que argumenta que os cristãos devem participar de algumas guerras, das guerras justas, visto que fazer doutra forma é recusar a fazer o bem maior que Deus ordenou. Vamos analisar cada um destes três pontos de vista.
O argumento do ativismo de que o cristão é obrigado, pelo seu dever de obedecer ao seu governo, a participar de todas as guerras tem dois tipos diferentes de argumentos: o bíblico e o filosófico ou social. Examinaremos somente os argumentos bíblicos.
Seja no âmbito religioso, seja no âmbito civil, o governo é de Deus (Rm 13.1-7). A Bíblia declara que a civilização antediluviana se tornou corrupta: ...cheia de violência (Gn 6.13). Deus a destruiu e instituiu o governo humano. Certamente requererei o vosso sangue, o sangue das vossas vidas... e da mão do irmão de cada um requererei a vida do homem. Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem (Gn 9.5-6).
Em síntese, Deus ordenou o governo. Adão recebeu a coroa para reinar sobre a terra, e quando o mal se alastrou, a Noé foi dada a espada para reger na terra. Os homens têm o direito, aprovados por Deus, de tirar a vida de homens rebeldes que derramam sangue inocente. A espada que foi dada a Noé foi brandida por Abraão quando entrou na guerra contra os reis citados em Gênesis 14, que fizeram agressão contra o sobrinho de Abraão, Ló. Conforme nota Carroll Stegall, esta passagem indica que Deus aprova guerras que são para a proteção dos pacíficos contra o agressor 1 .
Embora a forma específica do governo mudasse no decurso do Antigo Testamento, há uma reiteração do princípio de que o governo é de Deus. Na teocracia mosaica, os poderes do governo são bem explícitos: Mas se houver morte, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe (Êx 21.23-25). Até mesmo quando Israel estabeleceu sua monarquia de modo contrário ao plano de Deus para ele (1 Sm 8.7). Mesmo assim, Deus ungiu o rei que escolheu. Ele disse ao profeta Samuel: Atende à sua voz, e estabelece-lhe um rei (1 Sm 8.7-10,22). Mais tarde, Samuel disse: Vedes já a quem o SENHOR escolheu? (1 Sm 10.24). Davi, até mesmo antes de ser rei, recebeu a ordem no sentido de lutar contra os filisteus que estavam despojando Israel (1 Sm 23.1-2).
Referindo-se aos governos das nações gentias, o Antigo Testamento diz: ...o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer (Dn 4.25). Com base no restante da profecia de Daniel, percebemos que Deus ordenou os grandes governos: babilônico, medo- persa, grego e romano (Dn 2 e 8). Visto que o governo é dado por Deus, conclui-se que desobedecer ao governo é desobedecer a Deus. Se, portanto, o governo ordena que um homem vá à guerra, o ativismo bíblico argumentaria que ele deve corresponder, em obediência a Deus, pois Deus ordenou o governo com a espada, ou seja, o poder de tirar vidas.
Jesus confirma o conceito do Antigo Testamento: Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus (Mt 22.21). A autoridade civil dada por Deus foi reconhecida por Jesus, diante de Pilatos, quando disse: Nenhum poder terias contra mim, se de cima não te fosse dado (Jo 19.11). Paulo admoesta Timóteo: antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões, e ações de graças, por todos os homens. Pelos reis, e por todos os que estão em eminência... (1 Tm 2.1-2). Paulo diz a Tito: Admoesta-os a que se sujeitem aos principados e potestades, que lhes obedeçam... (Tt 3.1). Pedro é muito claro: Sujeitai-vos, pois, a toda ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como superior; quer aos governadores, como por ele enviados... (1 Pe 2.13-14).
A passagem mais extensa do Novo Testamento sobre o relacionamento entre o cristão e o governo acha-se em Romanos 13.1-7. O primeiro versículo deixa claro que todo governo é divinamente estabelecido: Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus (v. 1). Por isso quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação (v.2). A potestade deve ser obedecida porque é ministro de Deus para teu bem... é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal (v.4). Paulo prossegue: Por esta razão também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo sempre a isto mesmo (v.6). Por isso, o cristão é conclamado: Portanto, daí a cada um o que deveis; a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra (v.7).
O que deve ser destacado nesta passagem é a reiteração do poder governamental para tirar a vida humana. Os cristãos são conclamados a obedecer ao governante ou rei: pois não traz debalde a espada (Rm 13.4). Ou seja: o governo, com seu poder sobre a vida, é ordenado por Deus. Quem resistir ao governo está resistindo a Deus. Segundo os ativistas bíblicos, a pessoa deve responder à chamada do governo para ir à guerra, porque Deus deu a autoridade da espada às autoridades governantes.
Os argumentos em prol do pacifismo podem ser divididos em dois grupos básicos: o bíblico e o social. Analisaremos apenas a argumentação bíblica.
Há muitos aspectos no argumento do pacifista cristão contra as guerras. Há várias premissas bíblicas por detrás de todos eles. Uma das premissas está no pentateuco: Não matarás (Êx 20.13). A outra se encontra no Evangelho: Não resistais ao mal (Mt 5.39).
1 - Matar é Sempre Errado - Para o pacifismo há a convicção de que tirar a vida intencionalmente, especialmente na guerra, é básica e radicalmente errado. A proibição bíblica: Não matarás inclui a guerra. A guerra é assassinato em massa. Assassinato é assassinato, quer seja cometido dentro da própria sociedade ou contra homens de outra sociedade. Visto que esta conclusão, à primeira vista, é contrária aos muitos casos na Escritura que, em alguns casos, ordena a guerra; os pacifistas cristãos devem dar uma explicação de por que a Bíblia, às vezes, ordena a guerra.
Várias respostas tem sido dadas por diferentes pacifistas:
(1) Primeiramente, as guerras do Antigo Testamento, em que se representa Deus ordenando a guerra, não foram de modo algum ordenadas por Deus. Representam um estado mais bárbaro da humanidade em que as guerras eram justificadas ao ligar a elas sanções divinas. Esta opção parece rejeitar claramente a autoridade do Antigo Testamento, não sendo uma alternativa viável para um crente evangélico, uma vez que Jesus declarou a autoridade e autenticidade do Antigo Testamento;
(2) Outra explicação é que estas guerras eram sem igual, porque Israel estava agindo como instrumento teocrático nas mãos de Deus. Essas não eram realmente as guerras de Israel mas, sim, as de Deus, conforme é evidenciado pelos milagres que Deus operava para ganhá-las (Js 6,10; Sl 44);
(3) Finalmente, às vezes é argumentado que as guerras do Antigo Testamento não eram a perfeita vontade de Deus, mas, sim, somente sua vontade permissiva, ou seja, Samuel recebe ordens de Deus para ungir Saul como rei; ainda que Deus não tivesse escolhido Saul para rei, mas, sim, Davi (1 Sm 10.1). Ou ainda, as guerras são ordenadas por Deus da mesma maneira que Moisés ordenou o divórcio: por causa da dureza dos corações dos homens (Mt 19.8). Deus tem um caminho melhor: o da obediência e do amor. Deus poderia ter realizado seus propósitos em Israel e em Canaã sem guerras. Se o povo tivesse sido mais obediente, nenhuma guerra é o mandamento de Deus em ocasião alguma. Deus ordena, de forma clara e inequívoca: Não matarás. Este mandamento aplica-se a todos os homens, amigos ou inimigos. Todos os homens são feitos à imagem de Deus. Assim sendo, seria pecado mata-los. O Antigo Testamento ensina claramente que uma pessoa deve amar seus inimigos (Lv 19.18, 34; Jn 4). Jesus reafirmou este ensino, dizendo: Amais vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem...(Mt 5.44). A guerra baseia-se no ódio, e é intrinsecamente errada. Tirar a vida de alguém é contrário ao princípio do amor; sendo portanto uma atitude anticristã.
2. Resistir ao Mal é Errado - Em conexão estreita com a primeira premissa básica do pacifismo, de que é errado matar, há outra: o mal nunca deve ser resistido com força física mas, sim, com a força espiritual do amor. Jesus disse: Não resistais ao mal; mas se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra (Mt 5.39).
Cristo também ensinou: E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas (Mt 5.41). O cristão não deve retaliar nem pagar o mal com o mal. A vingança pertence a Deus (Dt 32.35). Paulo escreveu: Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas daí lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem (Rm 12.19-21). O cristão não deve tornar a ninguém mal por mal... se possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens (Rm 12.17-18).
Acerca da declaração de Jesus : Não cuideis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada (Mt 10.34), dizem os pacifista que ela não pode ser usada para apoiar a guerra. Jesus, pois, ordenou a Pedro: Embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão (Mt 26.52). Jesus não estava definindo o propósito do seu ministério, mas seu resultado. O efeito da lealdade a ele causaria divisão: Porque eu vim pôr em dissenção o homem contra seu pai; e a filha contra a sua mãe, e a nora contra a sua sogra (Mt 10.35). O efeito do ministério de Cristo é freqüentemente dividir famílias como por uma espada (Lc 12.51, usa a palavra dissensão ao invés de espada), ainda que esta não seja a intenção da sua vinda.
O pacifismo está comprometido com a premissa de que é essencialmente errado usar força física, pelos menos até ao ponto de tirar vidas, a fim de resistir ao mal. Isto não significa que o pacifista repudie toda força. Ele apenas acredita na força maior do bem espiritual diante das forças do mal físico. Acreditam que... não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os princípes das trevas desde século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais (Ef. 6.12).
Tanto o ativismo quanto o pacifismo reivindicam o apoio da Escritura. O seletivismo é apenas uma terceira maneira de interpretar os mesmos dados bíblicos? Sob determinado aspecto, tanto o ativismo quanto o pacifismo têm razão (pelo menos parcialmente) e que o sentido em que ambos tem razão é a essência do seletivismo. Resumindo, o seletivismo é uma síntese do ativismo e do pacifismo. O seletivismo, firma-se na posição de que a pessoa deve participar somente de uma guerra justa.
Na realidade, há um ponto de concordância (pelo menos teoricamente) entre todos os três pontos de vista: não se deve participar de uma guerra injusta. O pacifista, naturalmente, sente que todas as guerras são injustas. O ativista sustenta que nenhuma guerra é injusta, ou pelo menos, se houver guerras injustas, a participação nelas não é errada. O seletivista argumenta que, em princípio, algumas guerras são injustas e outras não. Logo, para apoiar o seletivismo, a pessoa deve demonstrar não somente que:
(1) Algumas guerras são injustas em princípio (assim sendo, o ativismo total está errado);
(2) Algumas guerras são justas em princípio (assim sendo, o pacifismo total está errado).
1. algumas guerras são injustas - A rejeição do ativismo total é apoiada pelas Escrituras. A Bíblia, pois, ensina que nem sempre é certo obedecer ao governo em tudo quanto ordena, especialmente quando seus mandamentos contradizem as Leis espirituais superiores de Deus. Os três jovens hebreus desobedeceram o mandamento do rei. Não adoraram um ídolo (Dn 3). Daniel violou a lei que proibia a oração a Deus (Dn 6). Os apóstolos desobedeceram às ordens que interditavam a pregação do Evangelho de Cristo (Atos 4 e 5). E, num caso muito claro de desobediência, divinamente aprovada, as parteiras hebréias no Egito desobedeceram o mandamento que determinava a morte dos recém-nascidos do sexo masculino: As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como o rei do Egito lhes dissera, antes conservaram os meninos... Portanto Deus fez bem às parteiras. E o povo se aumentou e se fortaleceu muito. E aconteceu que, como as parteiras temeram a Deus, ele estabelecu-lhes casas (Êx 1.17, 19-21). Esta passagem ensina claramente que é errado tirar a vida de um ser humano inocente, ainda que o governo humano o determine. Os pais de Jesus evidenciaram a mesma convicção de que o governo não tinha direitos sobre a vida humana inocente, visto que, sob a orientação de Deus, fugiram diante da tentativa de Herodes de matar o menino Jesus (Mt 2.13-14).
Visto que o governo não é soberano para tirar vidas inocentes, segue-se que nem todas as guerras feitas pelo governo são justas. De fato, até mesmo dentro de uma guerra justa pode haver ordens injustas, as quais devem ser desobedecidas. Nem todas as guerras, nem todos os atos de guerra são moralmente justificáveis pelo motivo da pessoa estar agindo em obediência ao governo.
2. Algumas Guerras são Justas - As Escrituras ensinam que nem todas as guerras são necessariamente más. Em oposição ao pacifismo, algumas guerras são justas. Tirar uma vida é freqüentemente ordenado por Deus, tanto dentro de uma nação quanto entre nações. Nem sempre tirar a vida é assassinato. Às vezes, Deus delega a autoridade para que seja derramado o sangue humano. Vemos isso registrado no Livro de gênesis (Gn 9.6), reiterou-o Moisés na Lei para Israel (Êx 21.26) e Paulo reafirmou-o como sendo o poder que residia no imperador de Roma (Rm 13.4), tendo sido subentendido até mesmo por Jesus diante de Pilatos (Jo 19.11). Fica evidente, com base nestas passagens, que todo governo, recebeu autoridade divina para aplicar a pena capital aos assassinos.
A história da batalha de Abraão contra os reis (Gn 14) dá apoio ao princípio de que os agressores nacionais injustos devem ser resistidos da mesma maneira que os agressores individuais injustos (1 Sm 23.1-2). As nações, assim como os indivíduos, podem ser salteadoras e assassinas. Seria uma falsa lógica argumentar que a pessoa deve resistir a um homem assassino com a espada, mas deixar um país assassino exterminar milhares de pessoas inocentes. Mais apoio para a posição de que o poder militar defensivo às vezes é justificável pode ser deduzido da vida do apóstolo Paulo. Quando sua vida foi ameaçada por homens indomáveis, apelou à sua cidadania romana e aceitou a proteção do exército romano (At 22.25-29). Em certa ocasião, alguns homens dedicaram-se a matar Paulo, mas este foi levado sob a proteção de um pequeno exército (At 23.23). Não há razão para crer que o apóstolo não considerasse justo seu direito de cidadão de ser protegido pelo exército contra uma agressão injusta. Pelo contrário, suas ações demonstram claramente que, como cidadão romano, exigia esta proteção. E o princípio de empregar o poder militar na auto defesa pode ser extensivo a uma nação, e não somente a indivíduos. Porque, conforme os pacifistas reconhecem também, não há no Novo testamento um padrão duplo de moralidade, uma regra para o indivíduo e outra para o país. Afinal de contas, os países são compostos de muitos indivíduos. Deus, às vezes, ordena que os homens usem a espada para resistir aos homens maus. O militar não desempenha uma função má (Lc 3. 14).
Talvez deva ser dita aqui uma palavra acerca da maneira inaceitável do pacifista explicar os mandamentos de Deus como sendo puramente culturais ou concessões à pecaminosidade humana. Este tipo de hermenêutica subverteria a confiança do cristão em todos os mandamentos da Escritura. Quando um mandamento é condicional ou cultural, as Escrituras os revelam. Exemplo: Jesus indicou que Moisés não tinha realmente ordenado o divórcio, mas meramente o permitiu (Mt 19.8). Semelhantemente, a Bíblia indica claramente que a unção de Saul como rei sobre Israel foi uma concessão, e não o desejo de Deus para Israel (1 Sm 8.6-9). No entanto, não há semelhante indicação de que Deus queria que Israel praticasse a paz e não a guerra com os cananitas. Estes estavam além da possibilidade de serem ganhos: eram incuravelmente malignos e Deus ordenou que fossem exterminados (Lv 18.27-28; Dt 20.16-17). Nem há qualquer indicação de que a pena capital era aplicada a assassinos, simplesmente porque a cultura então prevalecente assim ensinava, ou porque o povo não amava suficientemente o assassino. A implicação da Escritura é que a pena capital era exatamente o que Deus queria que fosse feito a tais assassinos (Gn 9.16; Rm 13.4).
Assim, também, os mandamentos a Israel referentes à guerra contra Canaã realmente foram ordenados por Deus. Lemos no livro de Josué: Destruiu a tudo o que tinha fôlego, sem deixar sequer um, como ordenara o Senhor Deus de Israel (Js 10.40). Até mesmo antes de Israel ter entrado em Canaã, os israelitas receberam esta ordem: Porém, das cidades destas nações que o SENHOR teu Deus te dá em herança, não deixarás com vida tudo o que tem fôlego. Antes, como te ordenou o SENHOR teu Deus destruí-las-ás totalmente... (Dt 20.16-17). Referindo-se a todas as cidades além de Canaã, foram ordenados: Quando te aproximares de alguma cidade para pelejar contra ela, oferecer-lhe-as a paz. Se a sua resposta for de paz, e te abrir as portas, todo o povo que nela se achar, será sujeito a trabalhos forçados e ter servirá. Deus ainda diz: se ela não fizer paz contigo, mas te fizer guerra, então a sitiarás;... e todos os do sexo masculino que houver nelas passarás ao fio da espada; mas as mulheres, as crianças, e os animais, e tudo o que houver na cidade, todo o seu despojo, tomarás para ti (Dt 20.10-17). Nesse caso, travar a guerra era condicional, mas não era assim o mandamento de Deus em relação aos cananitas.
Pode-se concluir, a partir desta passagem que Deus não somente sancionava a guerra de extermínio dos cananitas, como também aprovava outras guerras justas contra os povos que não queriam aceitar uma paz justa mas, sim, saiam lutando. Em síntese, o mandamento de Deus quanto nossa ocupação em guerras justas não pode ser limitado aos propósitos teocráticos de Deus no sentido de exterminar os cananitas malignos. Até mesmo nas monarquias posteriores, declara-se que Deus ordenou a Israel guerrear contra seus agressores (2 Cr 13.15-16; 20.29). Na realidade, no curso do Antigo Testamento e do Novo, Deus ordenou a guerra como instrumento da justiça. Até o próprio Israel apóstata, apesar do seu relacionamento especial com Deus mediante a aliança, tornou-se vítima de governos levantados por Deus para derrotá-lo (Dt 28.25; Dn 1.1-2). Nabucodonosor (Dn 4.17), Ciro (Is 44.28), e até mesmo Nero são descritos como servos de Deus, com o poder da espada. Paulo escreve acerca deste último: entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal (Rm 13.4). O pacifismo total, pelo motivo alegado de que nunca se deve tirar uma vida humana, não é bíblico. Nem sempre tirar uma vida é assassinato, segundo a Bíblia. A pena capital não é assassinato. A guerra em defesa dos inocentes não é assassinato. Uma guerra contra um agressor injusto não é assassinato. O pacifista total não está olhando de modo justo todos os dados da Escritura. Pelo contrário, apega-se à proibição contra o assassinato, desconsiderando os versículos que exigem que a vida dos homens maus seja tirada, pois visam à defesa dos inocentes.
O seletivista reconhece que o governo é instituído por Deus e que o cristão deve sempre se submeter ao governo debaixo de Deus (1 Pe 2.13). Reconhece que o governo, estando submisso a Deus, deve ser obedecido. Na eventualidade de um conflito entre Deus e o governo, o seletivista está pronto a obedecer a Deus ao invés do homem. Reconhece que há uma diferença entre aquilo que é de César e aquilo que é de Deus. Aquilo que é de Deus é mais valioso do que aquilo que é de César. Os poderes de César, pois, são delegados por Deus e são transcendidos por Deus. O dever direto que a pessoa tem diante de Deus é maior do que seu relacionamento indireto com Deus através do governo. O governo, foi instituído por Deus para representá-lo na área social e política da vida, mas não foi destinado a substitui-lo por meio de um poder absoluto sobre a vida moral e religiosa do homem. O seletivismo, nesse sentido, contempla de maneira harmoniosa as declarações: Daí pois a César o que é de César. E a Deus o que é de Deus (Mt 22.21) e : ...Mais importa obedecer a Deus do que aos homens (Atos 5.29).
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