Tradução: Elvis Brassaroto Aleixo
Nesta primeira década do novo milênio, os cristãos evangélicos - que com dedicação estão "defendendo e confirmando o evangelho" (Fp 1.7) - têm diante de si uma tarefa assustadora. Embora mais de um bilhão de pessoas na terra professem ser cristãs, centenas de milhões delas são meramente cristãos nominais ou culturais, ou seguidores do liberalismo, ou de outras distorções, pouco ortodoxas , da fé cristã. Entretanto, no Ocidente, a maioria das pessoas nem sequer professa ser cristã. Pelo contrário, são seguidoras ou dos "deuses" do secularismo e do materialismo , ou das crenças alternativas, tais como: o islamismo e o movimento da Nova Era.
Os cristãos têm enfrentado, cada vez mais, esse desafio, e mergulhado no ministério da apologética - a defesa da fé cristã contra o desafio do pensamento dos incrédulos. Mas, ao agirem dessa forma, freqüentemente se acham incertos a respeito da melhor maneira de levar adiante a defesa da fé a que se propõem. A realidade é que, durante a maior parte do século XX, os cristãos evangélicos envolvidos na apologética ficaram divididos entre si no tocante às questões da metodologia apologética - os métodos ou estratégias usados para confrontar a incredulidade. Nesses últimos vinte e tantos anos, progressos relevantes têm sido alcançados no sentido de sanear essas divisões, mas ainda falta muita coisa para ser feita.
Nesta matéria, além de passarmos em revista a história dessas controvérsias a respeito da metodologia apologética, apresentaremos uma análise do estado da apologética evangélica atual. Nosso alvo não é oferecer um estudo exaustivo do assunto, mas familiarizar o leitor com as questões envolvidas. Este estudo deve revelar-se útil a todos os cristãos que desejam seriamente participar da apologética.
A apologética evangélica atual deve muita coisa aos esforços apologéticos de cristãos no decurso da história da Igreja. Por sua vez, a história da apologética cristã está estreitamente relacionada com a história da filosofia ocidental. Obviamente, passar em revista aqui uma história completa da apologética e da filosofia ocidental está fora de cogitação. Assim, faremos um breve resumo daquilo que é essencial e sugerimos aos leitores que não se privem de verificar as notas que utilizaremos para clarificar o significado de alguns termos técnicos, pois julgamos que tais notas são imprescindíveis para a compreensão da matéria.
Para muitos, toda a apologétíca cristã remonta à mente fértil de Agostinho (354-430), teólogo mais influente da Igreja primitiva. Embora Agostinho fosse grandemente influenciado por Platão , como cristão rejeitava os conceitos pagãos que Platão tinha de Deus e, no decurso dos anos, seus pensamentos ficaram progressivamente mais livres do platonismo. Sustentava que, a fim de conhecermos e entendermos a verdade, devemos, primeiramente, crer na revelação divina, ter fé nela. Mas, ao mesmo tempo, afirmava que a revelação divina vem a nós numa forma racional ou inteligível, de modo que o nosso raciocínio é uma condição prévia para que possamos receber a revelação. Agostinho considerava a criação, os milagres e as profecias cumpridas como evidências em favor da veracidade do cristianismo. Entretanto, sua abordagem apologética principal era argumentar que a existência do Deus trino e uno revelado na Bíblia e proclamada pela Igreja era o fundamento de toda a verdade e moralidade, e que o conhecimento a respeito de Deus é percebido pela iluminação divina.
A partir do pensamento dinâmico e diversificado de Agostinho, é possível enfatizar dois aspectos diferentes. O primeiro deles é a ênfase que atribui à fé que antecede, mediante a iluminação, o entendimento e o conhecimento. Esse é, sem dúvida alguma, o aspecto mais destacado da abordagem de Agostinho na apologética, e essa ênfase pode servir de base para uma apologética que nega a possibilidade de um não-cristão ir caminhando sozinho, por seu próprio raciocínio, até a fé cristã. Se houvesse alguma "prova" tradicional da existência de Deus na apologética de Agostinho, esta seria o "argumento ontológico", posteriormente formalizado por Anselmo (1033-1109). O argumento ontológico observa que Deus é maior que todos os seres concebidos (e tudo o que se possa imaginar), simplesmente porque existe na mente do homem um conhecimento básico da existência de Deus. Como pensar que Deus não existe sem a pré-suposição de sua existência? Ou seja, para conceber a idéia de que Deus não existe, antes, é lógico conceber a idéia de que Ele existe.
O segundo aspecto da abordagem apologética de Agostinho está relacionado ao fato de que o raciocínio é, de alguma forma, anterior à fé. Ele sustentava que a revelação dirigia-se ao raciocínio humano para que a fé fosse percebida. Apelava, também, à existência e às maravilhas da criação como evidências da existência de Deus. E aos milagres e às profecias cumpridas como evidências do cristianismo. É possível fazer desse aspecto a base de uma apologética que convida o não-cristão a raciocinar seu caminho até a fé cristã. Desa forma, não nos surpreende que apologistas de várias perspectivas tenham reivindicado Agostinho como um deles.
Tomás de Aquino (1224-1274) foi, sem dúvida, o filósofo mais importante do cristianismo medieval. Sua filosofia desfruta, ainda hoje, de respeito generalizado. Ele procurava, deliberadamente, desenvolver uma apologética baseada na filosofia aristoteliana e, ao mesmo tempo, abandonava a teologia de Aristóteles , tão pagã como a de Platão.
Embora Aquino tivesse profundo respeito pela teologia de Agostinho, abandonou, deliberadamente, a abordagem agostiniana da apologética. Em primeiro lugar, Aquino defendia a fé cristã por meio daquilo que agora é conhecido como a "teologia natural". Enquanto Agostinho afirmava que obtemos conhecimento direto da existência de Deus mediante a iluminação divina, Aquino sustentava que podemos inferir a existência de Deus a partir do mundo natural. Rejeitava o argumento ontológico e desenvolveu vários argumentos em favor da existência de Deus a partir da existência e natureza do Universo. O raciocínio natural, portanto, pode averiguar a existência de Deus e de outras verdades teológicas básicas, que também se acham na revelação outorgada nas Escrituras. Outras verdades (tais como: a Trindade, a encarnação e a vinda do Espírito Santo) podem ser aprendidas somente na base da revelação bíblica. A veracidade dessa revelação pode ser comprovada ao raciocínio humano por meio dos argumentos tradicionais, como, por exemplo, os milagres, as profecias cumpridas e a influência positiva do cristianismo.
Os reformadores protestantes do século 16 argumentavam que a Igreja medieval perdera teologicamente o seu caminho e que, por conseguinte, precisava voltar aos ensinos da Bíblia e da Igreja primitiva. Tanto Martinho Lutero quanto João Calvino deviam muita coisa a Agostinho, e incitavam a Igreja à voltar a uma teologia agostiniana.
Calvino, em especial, proclamava que a teologia natural (de Aquino) devia ser abandonada. Embora reconhecesse que Deus se revela de modo geral a todas as pessoas, tanto na consciência quanto na natureza, argumentava que essa "revelação geral" (conforme os calvinistas posteriormente a chamavam) é suprimida por todos os homens, por causa do pecado. Logo, as revelações especiais da parte de Deus são necessárias para "arrancar" os homens da sua incredulidade. E, agora, essas revelações se acham exclusivamente na Bíblia. Além disso, a veracidade da Bíblia só pode ser reconhecida pela obra iluminadora do Espírito Santo. Isso,no entanto, não significa que os argumentos filosóficos e históricos não são sadios, mas apenas que não têm a capacidade de levar os incrédulos ao conhecimento de Deus.
Os pensadores cristãos, desde Agostinho até Calvino, geralmente se ocupavam mais em compreender a fé cristã que defendê-la. Nos tempos de Agostinho, o cristianismo já havia, em grande escala, vencido, tanto intelectual quanto politicamente na Europa e na África do Norte. Nos dias de Aquino, a ameaça principal ao cristianismo foi o islamismo. No período da Reforma, a confrontação intelectual principal foi entre os protestantes e os católicos. Na realida, e isso durante mais de mil anos, a necessidade da apologética para a confrontação da incredulidade ateísta foi mínima.
Tudo isso começou a alterar-se no século 17, com a ascensão do "deísmo". O deísmo afirmava, originalmente, que a totalidade da fé cristã podia ser descoberta pela razão natural, mas se evoluiu até ser um movimento que sustentava que boa parte da crença cristã tradicional era contrária à razão. Pregava também a crença em um Criador, mas que não mantém envolvimento contínuo com o mundo e os eventos da história humana.
Depois, no século 18, foi a vez do ceticismo, doutrina filosófica daqueles que duvidam de tudo e afirmam que a verdade não existe e, caso existisse, o homem seria incapaz de conhecê-la. Essa corrente foi representada principalmente pelo filósofo escocês David Hume (1711-1776) e preparou o caminho para o Iluminismo, movimento que rejeitava todas as reivindicações da revelação divina e declarava a autonomia da razão humana. Hume era veementemente contra o argumento teleológico: argumento que raciocina com base na ordem e complexidade do mundo e no conceito de que ele (o mundo) fora elaborado por um Projetista inteligente. David Hume convenceu muitas pessoas de que este argumento e os argumentos baseados nos milagres eram infundados.
O filósofo iluminista Emanuel Kant (1724-1804) também alegava que podia refutar os argumentos cosmológico e ontológico em favor da existência de Deus. O argumento cosmológico pregava o seguinte: uma vez que cada coisa existente no Universo deve ter uma causa, deve haver um Deus, que é a última causa de tudo. Já o argumento ontológico já foi explicado no tópico em que abordamos a apologética de Agostinho.
Essas ondas sucessivas de ataques contra o cristianismo (deísmo e ceticismo) forçaram os cristãos ortodoxos a desenvolver respostas apologéticas. Semelhantes respostas, porém, variavam segundo as convicções teológicas dos apologistas e o conteúdo do ataque dos incrédulos. Por exemplo, os apologistas, na tradição teológica arminiana, procuravam enfrentar o deísmo e o ceticismo no próprio estado deles (por assim dizer), sempre refutando-os com a razão, somente. Daqui por diante, citaremos alguns apologistas importantes que, embora não sejam brasileiros, influenciaram, de alguma forma, a nossa apologética - uma vez que a nossa teologia se fundamenta, praticamente, em obras e pensamentos de outros teólogos, sobretudo, norte-americanos, ingleses e europeus.
Nesse campo, destacam-se o bispo Joseph Butler (1692-1752), cujo livro antideísta The Analogy of Religion [A analogia da religião], de 1736, ainda é amplamente debatido nos círculos eruditos, e William Paley (1743-1805), que empregou os argumentos de Butler para refutar Hume.
Um contemporâneo de Paley, Thomas Reid (1710-1796), calvinista escocês que desenvolveu uma filosofia chamada, agora, "O realismo do bom senso escocês", também foi muito importante. A filosofia de Reid, assim como a de Paley, era, em grande parte, uma resposta ao seu compatriota Hume. Enquanto Hume estivera cético, não somente quanto aos milagres e à existência de Deus, mas também quanto à questão da causa e efeito, do certo e errado, Reid sustentara que o nosso conhecimento de todas essas coisas era simplesmente uma questão de bom senso. Segundo Reid, os filósofos que questionam essas crenças comuns deixaram a teoria obscurecer o que era muito claro. Nossos conhecimentos de causa e efeito e de certo e errado são evidentes em si mesmos. São um aspecto incorrigível da nossa constituição como seres criados por Deus, quer reconheçamos ou não a existência de Deus.
A epistemologia (teoria do conhecimento) de Reid afirmava que é possível argumentar em favor da veracidade da revelação cristã, com base nas pressuposições do "bom senso", a respeito da natureza da verdade, da razão, da moralidade e do mundo. Chades Hodge (1797-1878), reconhecido teólogo calvinista, sustentava que, embora o raciocínio deva se submeter à revelação de Deus nas Escrituras, esse mesmo raciocínio deveria, primeiramente, discernir se as Escrituras são uma revelação da parte de Deus. Hodge também mantinha a validade dos argumentos tradicionais em favor da existência de Deus, e até mesmo recomendava as obras de Butler e Paley.
Nesse período, nos Países Baixos, o teólogo e político calvinista holandês Abraão Kuyper (1837-1920) desenvolveu a noção de uma "oposição" entre as respectivas mentalidades dos não-cristãos e dos cristãos. Essa oposição é tão nítida que os cristãos e os não-cristãos não podem compartilhar do mesmo ponto de vista nas questões de princípio fundamental. O não-cristão é incapaz de averiguar ou testar a revelação de Deus nas Escrituras, pois as Escrituras são a Palavra de Deus e, por conta disso, seus ensinos devem ser aceitos como primeiros princípios. Por outro lado, não se pode comprovar, diante do não-cristão, a veracidade do cristianismo tomando por base os argumentos filosóficos ou as evidências históricas, porque tais argumentos pressupõem os princípios cristãos. Não pode existir nenhum terreno comum ou neutro entre o cristão e o não-cristão. Logo, a apologética tradicional deve ser abandonada. Negativamente, os apologistas cristãos devem procurar desmascarar a raiz religiosa anticristã de todo o pensamento não-cristão. De modo positivo, devem procurar ser exemplos diante do mundo do seu cristianismo, reconstruindo a sociedade segundo os princípios bíblicos.
As idéias de Kuyper foram desenvolvidas até formarem uma filosofia completa por Herman Dooyeweerd (1894-1977). Segundo Dooyeweerd, a apologética tradicional, especialmente a de Tomás de Aquino, baseava-se na oposição antibíblica entre a natureza e a graça - ou seja, entre aquilo que o não-cristão pode saber pela sua natureza, mediante a razão somente, e aquilo que somente se pode saber mediante a revelação graciosa de Deus, por meio da fé. A tarefa da filosofia cristã era recomendar a visão de um mundo cristão e, ao mesmo tempo, fornecer uma base firme para o conhecimento e a ética.
O breve histórico já visto da apologética cristã tocou em várias questões que continuam provocando debates e até mesmo controvérsias entre os cristãos. Desejamos, no restante desta matéria, chamar a atenção para algumas dessas controvérsias e oferecer breves comentários a respeito.
Na lista das questões que precisam ser examinadas, o relacionamento entre a filosofia e a apologética ocupa um lugar de destaque. Todos os grandes apologistas da Era pré-Reforma foram fortemente influenciados por Platão ou Aristóteles. Embora os referidos apologistas rejeitassem a teologia grega, sustentavam que os cristãos podiam legitimamente construir a sua filosofia mediante o uso das categorias e argumentos que se acham ou em Platão (Agostinho) ou em Aristóteles (Aquino).
A tradição reformista de Lutero e de Calvino tem feito que os evangélicos, de modo geral, mas especialmente os calvinistas, não fundamentem suas filosofias ou apologéticas na filosofia grega. Enquanto o platonismo tem bem poucos defensores entre os evangélicos hoje, o aristotelianismo, por sua vez, conforme foi reconstituído por Aquino, tem um defensor importante na pessoa influente de Norman L. Geisler.
As contribuições de Aristóteles à ciência da lógica revelaram ser ferramentas úteis à análise de argumentos, e permanecem sendo indispensáveis ao apologista. No seu entusiasmo de abandonar todas as filosofias pagãs, alguns apologistas e filósofos cristãos nos têm convidado a abandonar a lógica como se esta fosse uma invenção de Aristóteles. Esse é um grande erro. A Bíblia toma por certo os princípios da lógica. E as verdades da teologia cristã, embora estejam além da nossa compreensão total, não são ilógicas.
Nenhum apologista cristão pode evitar fazer sua defesa do evangelho desconsiderando as filosofias daqueles que deseja alcançar. Declaramos isso por duas razões. Vejamos:
Primeira. Historicamente, ninguém jamais conseguiu evitar fazer assim. Agostinho empregava formas platônicas de pensamento para refutar os sistemas religiosos platônicos e defender a fé cristã. Aquino empregava categorias e argumentos aristotelianos para comprovar a superioridade do cristianismo quanto ao islamismo (que também apelava a Aristóteles em busca de apoio). Butler e Paley responderam à negaçao do sobrenatural pelos deístas com argumentos em favor do projeto sobrenatural do Universo baseado nas observações científicas da natureza. Mesmo se fosse possível ou desejável construir uma apologética cristã que estivesse totalmente livre da influência das filosofias daqueles dias, é duvidoso que alguém já tivesse chegado a fazer isso.
Segunda. Pela sua própria natureza, a apologética cristã precisa abraçar o pensamento não-cristão empregando os próprios termos e categorias desse pensamento. O objetivo da apologética é oferecer aos não-cristãos um desafio para que abandonem sua cosmovisão incrédula e abracem a fé cristã. Para que os apologistas alcancem todos os ouvintes, devem falar segundo os termos e categorias que eles (os ouvintes) possuem.
Em nossa cultura ocidental, há uma multidão de filosofias e cosmovisões com diferenças enormes entre si, e que as pessoas seguem. A apologética cristã deve responder adotando várias formas e empregando categorias diferentes, se deseja realmente comunicar-se com mais de um só grupo de não-cristãos.
Devemos estar preparados para mostrar ao "deísta" que o cristianismo é verdadeiramente racional enquanto desafiamos as pressuposições racionalistas do próprio deísta.
Devemos estar preparados para mostrar ao "empiricista" que os fatos estão todos do nosso lado e, ao mesmo tempo, levá-lo a perceber que a realidade consiste em mais coisas que as que se vêem.
Devemos, ainda, estar dispostos a argumentar diante do "pragmatista", defendendo que o cristianismo é a única filosofia da vida que realmente funciona - especialmente (mas não exclusivamente) a longo prazo - e isso enquanto também insistimos em que a verdade não pode ser sacrificada no altar da conveniência.
Resumindo, devemos compreender os não-cristãos e isso significa correspondê-los nos seus próprios termos, oferecendo-lhes respostas na linguagem de sua própria filosofia, sem, no entanto, deixar de lhes mostrar que a filosofia que defendem é inadequada, segundo as categorias da própria filosofia em questão. É justamente este o desafio para a apologética cristã.
Os argumentos em favor da existência de Deus caíram em tempos difíceis depois da crítica feita por Kant. As mais sólidas "provas cristãs", ou seja, os argumentos baseados no desígnio (propósito), também ruíram depois de Darwin, porque o evolucionismo parecia remover qualquer necessidade de um Criador-Projetista.
Essa marcha dos acontecimentos levou os evangélicos de várias abordagens apologéticas diferentes a abandonarem as comprovaçoes cristãs. Alguns filósofos argumentam que a fé em Deus não precisa de nenhum apoio da parte de argumentos racionais, pois, na opinião deles, a fé em Deus é "básica pela natureza".
Mas nem todos os evangélicos têm perdido a esperança nas provas cristãs tradicionais. Em 1957, Stuart Hackett escreveu uma defesa vigorosa das provas cristãs. Hackett procurou responder à crítica famosa de Kant nos seus próprios termos e concluiu que a crítica de Kant das provas teístas tinha falhas. William Lane Craig, o aluno mais famoso de Hackett, escreveu, posteriormente, várias obras em defesa do argumento cosmológico (já conceituado anteriormente). Craig desenvolve esse argumento, mas não faz isso apenas de maneira dedutiva e filosófica, usa também as evidências científicas indutivas que demonstram que o Universo é finito e que teve um começo. As críticas kantianas do argumento cosmológico tinham tomado por certo que o Universo fosse, talvez, de tamanho infinito e de idade infinita. As teorias da "grande explosão originária" do Universo têm feito que os cientistas abandonem aquela pressuposição. Conseqüentemente, o argumento cosmológico está sendo resgatado e considerado entre os filósofos e os cientistas.
O argumento com base no desígnio (propósito) também tem recebido uma apresentação nova nos anos recentes. A teoria neodarwiniana da evolução naturalista tem sofrido vários golpes. Por exemplo: os cenários naturalistas para a vida que se origina de uma "sopa" primordial na atmosfera e oceanos primitivos do planeta Terra têm revelado ser inviáveis. O estudo da genética tem demonstrado que os seres vivos são ordenados de modo inteligente. Essas descobertas, entre tantas outras, têm encorajado filósofos e cientistas a argumentarem, de novo, que a ordem intricada e a complexidade da natureza indicam um Criador inteligente.
Quanto a esse assunto, os pressuposicionalistas se acham numa posição difícil. Por um lado, concordam que Deus existe e que se pode achar provas da sua existência na existência e propósito (desígnio) do mundo (Em tese, são de acordo que os argumentos em favor da existência de Deus são forçosamente viáveis quando apelam a esse desígnio). Por outro lado, ficam preocupados com aspectos que parecem ser falhos nos argumentos, conforme são tradicionalmente formulados. E, segundo a visão que possuem, os argumentos tradicionais não somente são logicamente falhos (conforme Kant já argumentara), como também comprometem a posição cristã. Esse comprometimento é visto em dois aspectos.
Primeiro, os argumentos chegam à conclusão de que meramente existe um Deus de algum tipo, mas não que existe o Deus único e verdadeiro, o Deus trino e uno da Bíblia. As provas cristãs só revelam um conceito abstrato de Deus e não o Deus concreto e real. Trata-se do "Deus dos filósofos" ao invés do "Deus de Abraão, de lsaque e de Jacó".
Segundo, os argumentos cristãos usualmente concluem apenas que Deus existe como probabilidade (Deus "provavelmente" existe) e não que a existência de Deus é absolutamente certa. Foi assim que aconteceu com os argumentos baseados no desígnio (propósito) e nos argumentos cosmológicos que apelam para as evidências científicas. Os pressuposicíonalistas insistem em que um Deus cuja existência é apenas provável não é adequado para merecer a confiança total.
O que diremos diante dessas preocupações? Em nossa opinião, esses dois tipos de argumentos estão exigindo demais da apologética. Vejamos a primeira objeção, de que as provas cristãs oferecem tão-somente um conceito abstrato de Deus.
O propósito dos argumentos apologéticos não é levar o não-cristão a um encontro pessoal com Deus. É o Espírito Santo quem faz isso. O propósito da apologética é oferecer razões para que as pessoas acreditem que Deus existe e que tem certos atributos. Além disso, nenhum argumento apologético tem a obrigação e a pretensão de comprovar tudo a respeito de Deus.
A segunda objeção (a da mera probabilidade) também está exigindo da apologética um resultado exagerado. Se alguma coisa é absolutamente verdadeira, também é "provavelmente" verdadeira - a diferença é que, neste último caso, a probabilidade é de cem por cento! Nem todas as provas cristãs são probabilísticas, mas as que são não deixam de ter o seu valor. O propósito da apologética não é forçar os intelectos humanos a aceitarem conclusões que hostilizam e rejeitam. Antes, o objetivo da apologética é desafiar a incredulidade por meio do oferecerecimento de razões sólidas para a fé.
Tem sido quase universalmente tomado por certo que existe uma única teoria certa a respeito da apologética, e um só método, ou abordagem, certo quanto à prática da apologética. Na realidade, tem sido quase universalmente tomado por certo que, neste assunto, a teoria e a prática são a mesma coisa. Mas gostaríamos de questionar essas pressuposições. Em primeiro lugar, precisamos fazer uma distinção cuidadosa entre teorias a respeito da apologética e a prática da apologética. Ao estudo das teorias a respeito da apologética vamos chamar de "meta-apologética" (uma defesa da apologética), ao passo que quando citarmos a "apologética em si" nos referiremos à prática literal de defender a fé e desafiar a incredulidade.
Assim como um engenheiro estuda a física e a química, e as teorias a respeito da engenharia, como preparativo para a própria tarefa de construir coisas, assim também os apologistas devem estudar questões "meta-apologéticas" como preparativo para a tarefa de defender a fé. Uma coisa é debater entre nós mesmos as teorias a respeito dos efeitos do pecado sobre o raciocínio humano, outra coisa bem diferente é desafiar o raciocínio pecaminoso ou dar aos não-cristãos motivos para crerem que Deus existe. Embora a teoria deva informar a prática, ela, no entanto, não serve para substituir a prática. Assim como em todas as áreas da vida, podemos, também, aprender a apologética por meio da prática. É somente pelo enfrentamento com os não-cristãos em diálogo e desafios (levando-os a considerar as reivindicações de Cristo) que realmente aprendemos a apologética.
Ora, se a teoria é uma coisa, e a prática é outra coisa bem diferente, segue-se que nem todos os trabalhos de apologética devem ser realizados da mesma maneira. Já sugerimos que a apologética precisa oferecer tipos diferentes de respostas a pessoas com mentalidades filosóficas diferentes. Agora, queremos dar um passo além, e sugerir que as questões apologéticas dos tempos passados, embora ainda nos acompanhem, não são tão importantes quanto antes. Ainda existem em nosso meio, mas, atualmente, os maiores desafios à fé cristã no Ocidente são as falsas religiões, que incluem as religiões decididamente não-cristãs (tais como: o islamismo, o budismo, os cultos aos gurus hindus e o movimento da Nova Era) e outras versões heréticas do cristianismo (como, por exemplo, as testemunhas de Jeová, o mormonismo e o liberalismo, que tem tomado tanto o catolicismo quanto a maioria das denominações protestantes tradicionais). As metodologias apologéticas precisam ser diversificadas se pretendem ser eficazes e causar impacto sobre esses grupos diversos.
Não queremos dizer que vale-tudo. Algumas estratégias apologéticas são menos eficazes do que outras. Mas podemos aprender com todas elas. Além disso, algumas coisas estão constantes em todos os esforços apologéticos. Os não-cristãos, sejam quais forem as suas seitas religiosas, precisam ser confrontados com as mesmas verdades fundamentais.
Precisamos, porém, buscar a união na diversidade. Precisamos ter liberdade para desenvolver métodos complementares para a realização da apologética. Ao mesmo tempo, precisamos procurar combinar entre nós uma teoria compreensiva e unificada que forneça uma base para a prática da apologética. Até mesmo precisamos reconhecer e respeitar a verdade de que alguns crentes desenvolvem melhor a apologética na prática do que em sua teoria, e vice-versa. À medida que nós, os cristãos, com antecedentes diferentes e com uma variedade de dons, cooperarmos mutuamente e aprendermos uns com os outros, poderemos nos tomar mais eficazes em vencer os desafios da apologética nestes dias tão turbulentos.
Que o Senhor nos ajude nesta árdua tarefa!
1 Liberalismo: neste contexto, qualquer movimento aberto a redefinir ou alterar as doutrinas e práticas tradicionais do cristianismo.
2 Ortodoxas: que se referem ao conjunto de doutrinas transmitidas pelas Escrituras bíblicas, como, por exemplo, a divindade de Deus, a Trindade e a autoridade das próprias Escrituras.
3 Secularismo: filosofia de vida conduzida sem crença, sem compromisso com Deus ou qualquer religião.
4 Materialismo: ensinamento de que a realidade última é a matéria, as coisas concretas, físicas e perceptíveis.
5 Filósofo grego (427 a.C.?-347 a.C.?). Um dos mais importantes filósofos de todos os tempos. Suas teorias, chamadas de platonismo, concentram-se na distinção de dois mundos: o visível, sensível ou mundo dos reflexos, e o invisível, inteligível ou mundo das idéias. Discípulo de Sócrates, desenvolveu a teoria do método (ou dialética) e a teoria da reminiscência, segundo a qual o homem vive no mundo das idéias antes de sua encarnação e as contempla em seu estado puro. Após a morte de Sócrates, em 399 a.C., Platão deixa Atenas e viaja por muitos anos, passando pelo Egito e pela Itália. Na Sicília, é incumbido de ensinar filosofia ao rei Dionísio, que depois o expulsa de sua corte, vendendo-o como escravo. Volta a Atenas em 387 a.C. e funda a Academia, procurando reabilitar a filosofia de Sócrates. Não há consenso sobre a cronologia da obra de Platão. Seus livros mais conhecidos são Apologia de Sócrates, no qual retoma as teorias do filósofo sobre a idéia, dando-lhes novo sentido. O banquete, que expõe, de forma poética, a dialética do amor. E A república, que contém, em síntese, toda a sua filosofia, além de abordar teorias sobre a imortalidade da alma, a política e a dialética.
6 De um modo geral, referência a conceitos de sistemas éticos e religiosos não-cristãos.
7 Filósofo grego. Considerado o fundador da lógica, sua obra tem grande influência na teologia cristã no período da Idade Média. Nasceu em Estagira, antiga Macedônia, atual província da Grécia. Mudou-se para Atenas aos 17 anos. Freqüentou a Academia de Platão e foi discípulo durante vinte anos. Após a morte de Platão, passou três anos em Assos, na Ásia Menor. Depois, mudou-se para a Ilha de Lesbos. Em 343 a.C., é chamado para ser professor do príncipe Alexandre, da Macedônia. Quando Alexandre, o Grande, assumiu o trono, voltou a Atenas e, em 335 a.C., organizou sua própria escola, o Liceu. Ao contrário da Academia de Platão, interessada apenas na Matemática, o Liceu é voltado à pesquisa das ciências naturais. Então Aristóteles desenvolveu um sistema filosófico baseado numa concepção rigorosa do Universo. De orientação realista, defende a busca da realidade pela experiência. Para ele, deve-se procurar o conhecimento por meio do "intelecto ativo", como chama a inteligência. Todas as suas obras se perderam, salvo a intitulada Constituição de Atenas. O pensamento aristotélico foi preservado por seus discípulos e atinge várias áreas do conhecimento, como lógica, ética, política, teologia, metafísica, poética, retórica, antropologia, psicologia, física e biologia. Seus escritos lógicos estão reunidos no livro Organon.
8 Teologia desenvolvida sem considerar as revelações das Escrituras. É construída por meio de observações e experiências.
9 Seguidores do pensamento de João Calvino. O termo calvinismo é aplicado particularmente à doutrina da predestinação, que afirma que Deus escolhe, soberanamente, alguns para a salvação não por causa de qualquer mérito ou mesmo de uma visão antecipada de sua conversão à fé, mas simplesmente por sua livre vontade e graça.
10 Referente à interpretação que contraria a doutrina calvinista da predestinação. O arminianismo afirma que a decisão de Deus em dar a salvação a determinadas pessoas e não a outras é baseada em seu conhecimento prévio daqueles que vão crer. Também inclui a idéia de que pessoas genuinamente regeneradas podem perder a salvação e que alguns realmente a perdem. Com frequência, o arminianismo apresenta uma interpretação mais suave da depravação humana do que o calvinismo.
11 Uma teoria da natureza do conhecimento, ou seja, como sabemos o que sabemos e como sabemos que as nossas crenças sao verdadeiras.
12 Dos muitos livros de Norman Geisler, recomendamos a Enciclopédia apologética, publicada pela Editora Vida, obra indispensável para os estudantes desta disciplina.
13 Pessoa adepta do empiricismo, teoria que prega que a veracidade de uma crença deve ser julgada exclusiva ou primariamente mediante um apelo aos fatos concretos adquiridos exclusivamente pela experiência sensória.
14 Pessoa adepta do pragmatismo, teoria que prega que a veracidade de uma crença deve ser julgada exclusiva ou primariamente pelos seus efeitos ou benefícios práticos.
15 No raciocínio dedutivo, a construção do argumento está baseada nas inferências necessárias das premissas (proposições).
16 No raciocínio indutivo, a construção do argumento avança dos fatos específicos a conclusões mais gerais que não se seguem necessariamente desses fatos, mas que são por eles apoiadas.
17 Adeptos do pressuposicionalismo, teorias que sustentam que a veracidade da Bíblia deve ser pressuposta pelo apologista. Para Gordon Clark, renomado teólogo, isso ocorre porque a Bíblia é a única fonte da verdade. Já o apologista Cornelius Van Til nega que toda a verdade deve ser obtida diretamente da Bíblia, antes, sustenta que todas as reivindicaçoes a esta verdade devem ser julgadas pelo padrão que se acha na Bíblia.
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