Mestre em Novo Testamento pela Universidade Reformada de Potchefstroom (África do Sul) e doutor em interpretação bíblica pelo Seminário Teológico de Westminster (EUA)
Uma das áreas mais polêmicas dentro do cristianismo é exatamente aquela em que deveria haver mais harmonia e consenso entre os cristãos, ou seja, o culto. Através da sua história, a Igreja cristã (evangélica) vem se debatendo com disputas, discussões e discordâncias quanto a alguns importantes aspectos relacionados ao serviço divino. E o debate, naturalmente, está presente na Igreja evangélica brasileira. Este breve artigo pretende fazer uma apresentação equilibrada dessas tensões
Até que ponto podemos organizar e estruturar a ordem ou sequência dos atos de cultos sem que isso tire a espontaneidade dos participantes? Ou mais grave ainda: até que ponto a própria ideia de preparar uma liturgia antecipadamente já não representa uma limitação à liberdade do Espírito de Deus em dirigir o culto como deseja?
Igrejas, movimentos e grupos que fazem parte do "evangelicalismo" brasileiro têm assumido, às vezes, lados radicalmente opostos nessa questão. De um lado, temos liturgias elaboradas milimetricamente, realizadas por ministros paramentados de acordo com o calendário eclesiástico e as estações do ano, exigindo formalidade, seriedade e reverência. Do outro, cultos sem qualquer ordem ou sequência preestabelecidos, onde as coisas acontecem ao sabor da inspiração momentânea do dirigente, supostamente debaixo da orientação do Espírito de Deus.
Felizmente, onde predomina o bom senso e o desejo de seguir os princípios bíblicos para o culto a Deus, adota-se uma liturgia que procura usar o que há de melhor nos dois esquemas, unindo seriedade reverente com liberdade exultante.
Outra tensão ocorre entre ofício e participação. Quem deve dirigir o culto a Deus? Quem pode participar ativamente na liturgia? Somente aqueles que foram ordenados para isso, pastores e presbíteros, ou qualquer membro da comunidade? Respostas variadas têm sido dadas a essas questões por diferentes grupos evangélicos no Brasil.
Por um lado, encontramos igrejas que entendem que somente aqueles que foram treinados de forma adequada e posteriormente autorizados (ordenados) pela igreja podem participar ativamente do serviço divino. Outros grupos, como os quietistas modernos, por exemplo, rejeitam a própria ideia de ofício e dispensam qualquer ordem ou liderança no culto público. Encontramos nas igrejas evangélicas brasileiras variações desses extremos.
Parece-nos claro que o caminho correto é manter no culto a liderança claramente bíblica dos presbíteros e pastores e, ao mesmo tempo, procurar, entre os não ordenados, aqueles que têm dons públicos que possam, após treinamento adequado, participar ativamente da liturgia.
Existe, ainda, outra tensão que, talvez, seja a mais profunda de todas, porque representa um sério desafio para a liturgia das igrejas. A saber: mente versus coração. Ou, mais exatamente, qual é o lugar da mente no culto? Podemos cultivar o entendimento e o crescimento intelectual sem perdermos de vista o papel do coração no culto? Um culto só é realmente espiritual se a mente for deixada de lado e o coração envolver-se inteiramente?
Hoje, muitos grupos evangélicos responderiam, sem hesitar, que a mente acaba representando um obstáculo para a experiência da verdadeira adoração e, por isso mesmo, deve ser deixada de lado, para que as emoções fluam livremente. Desse ponto de vista, as partes do culto, especialmente a pregação, devem facilitar a experiência litúrgica. Mas, infelizmente, a pregação é relegada a segundo plano, sendo substituída por relatos de experiências pessoais. Ou, quando é feita (salvo algumas exceções), não passa de uma coleção de casos, exemplos e experiências, intermediados, aqui e ali, por trechos bíblicos nunca expostos e explicados, mas citados unicamente como prova.
Em verdade, é uma tendência bem antiga. Paulo, por exemplo, teve de corrigir o desequilíbrio litúrgico dos coríntios. Para tanto, enfatizou a participação, o uso dos dons, a liberdade e, principalmente, a pouca atenção à instrução e ao uso da mente. Modernamente, percebe-se, sem muito esforço, a tendência de se enfatizar a participação, o louvor, os testemunhos, os dramas e os corais em detrimento da pregação da Palavra durante os cultos dominicais de muitas igrejas.
E é justamente essa última tensão que tem questionado, de forma mais radical, a natureza, a necessidade e o propósito da pregação nos cultos. O que nos parece fundamental neste assunto é que, desde o início, Deus usou a pregação expositiva de sua Palavra como veículo de revelação da sua vontade ao seu povo. Portanto, a pregação nunca deve ser relegada a nenhum plano secundário no culto, antes, deve sempre ocupar lugar central, de destaque!
Estas são algumas das tensões que ocorrem na Igreja evangélica brasileira durante o culto. E, em muitos casos, nem sempre têm sido bem resolvidas. Provavelmente, o caminho para um culto bíblico e brasileiro tenha de passar pelas seguintes vertentes:
Empregar o princípio de que devemos manter, durante o culto, somente os elementos que, direta ou indiretamente, tenham respaldo nas Escrituras do Novo Testamento. De outra forma, desprovida de referencial, a Igreja brasileira não terá como impedir a avalanche de inovações no culto. Embora sejam bem intencionadas, algumas dessas inovações, porém, são apócrifas, enquanto outras são inspiradas em práticas de certas religiões afro-brasileiras.
Reconhecer que há circunstâncias do culto que não estão necessariamente definidas, proibidas ou ordenadas nas Escrituras, por isso podem ser adotadas a critério das igrejas, sempre respeitando a história, a tradição, a cultura e, especialmente, o bom senso.
A busca do equilíbrio nas tensões mencionadas neste artigo, reconhecendo que qualquer dos extremos citados termina prejudicando o culto, por reduzi-lo e privá-lo da plenitude desejada por Deus.
Certamente, o culto é um dos aspectos mais centrais da vida das igrejas evangélicas, porque nele deságuam as doutrinas, as crenças, as práticas, as tensões e a vida espiritual das comunidades. Uma igreja é aquilo que seu culto é. Como parte de sua reflexão e reforma, a Igreja evangélica brasileira deveria enfocar mais este assunto. Logo, este breve artigo é a nossa contribuição.
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