Membro da Terceira Igreja Batista do Plano Piloto (Brasília, DF) e colaborador do site monergismo
Sou completamente a favor da comemoração do Natal, não porque necessite dessa festa para me lembrar da vinda de Cristo, mas porque nenhum argumento até hoje utilizado é "bíblico o suficiente" para impedir a comemoração da festa.
Antes de entrarmos no assunto, notemos algumas peculiaridades da história do Natal, conforme narram os evangelhos. Um detalhe que passa despercebido, depois de tanto ouvirmos a história, é a própria festa organizada por Deus, mesmo enquanto Maria e José lutavam para encontrar uma hospedagem decente para o bebê. O próprio Deus e Criador do Universo designou anjos para cantarem e anunciarem a chegada de seu Filho amado; trouxe pastores para verem o bebê, alegrarem a festa e alegrarem-se com a festa.
Dias depois, uma estrela (não vamos entrar em detalhes quanto à natureza da estrela) foi movida, a fim de que magos - literalmente homens pagãos, para os judeus da época - encontrassem o bebê e pudessem presentear e adorar o Rei dos judeus. Poderíamos gastar um bom tempo comentando a alegria de João Batista, ainda no ventre de sua mãe, ao sentir a presença do Messias, ou o hino de Maria pela chegada do Cristo, e também a satisfação do velho Simeão pela vinda de Jesus, a ponto de ele não desejar mais nada nesta vida.
Pergunto-me se, com tantas pessoas, seres celestiais e a própria criação comemorando, festejando e se alegrando com a chegada de Jesus, deveríamos nos privar do mesmo sentimento? Outro ponto importante é que o Verbo, se tornando carne e habitando entre nós, é o cumprimento da festa dos tabernáculos, instituída pelo próprio Deus, por meio da lei. A chegada de Cristo é uma festa em seu cumprimento pleno, no mais perfeito sentido da palavra e da forma mais divina.
Com tanta alegria tomando a terra, não tenho dúvida de que deveríamos festejar isso todos os dias, mas é impossível, logicamente - além do que, a morte e a ressurreição de Cristo formam o ponto crucial de nossa crença. Mas, a impossibilidade de ceias de Natal diárias não tira a possibilidade de um dia designado especialmente para pensarmos profundamente no assunto.
Acredito que é um dia em que as pessoas estão mais abertas à pregação do evangelho (não por causa do dia, mas pelo excelente estrategista que é o Espírito Santo, que se utiliza de todas as formas para chamar aqueles que lhe aprazem). E, não há dúvidas de que o dia de Natal faz as pessoas pensarem sobre o assunto. Faltar a uma comemoração de Natal de seus amigos, vizinhos, parentes não cristãos é agir de forma contrária ao que Paulo fez. Isto é, "de tudo, a fim de ganhar a todos" (1Co 9.22).
Mas, sem desenvolver muito os argumentos a favor, vamos tratar dos argumentos contra.
Com base em 1Coríntios 8.8, e usando as palavras de C. Mattew McMahon (um pesquisador que não comemora o Natal, diga-se de passagem): "Árvores não nos tornam mais agradáveis a Deus. Nem mesmo perus, presentes, guirlandas ou presuntos feitos para a ocasião do Natal [...] O Natal não pode ser condenado por causa de suas origens pagãs. O Natal, tão pagão quanto possa ser, e quantas ideologias pagãs possa conter, não pode ser condenado porque, há mil,quinhentos ou cinco dias, alguém se prostrou diante de uma árvore e cometeu idolatria. As pessoas usam molduras de madeiras em suas casas para colocar fotos, mas seria coerente censurá-las porque aquela moldura veio de uma árvore e alguém adorava árvores há quinhentos anos? O cristão não é preso por suposições dessa natureza".
O fato de reinos pagãos verem deuses em árvores nada significa e, por essa lógica, deveríamos nos privar dos benefícios do sol, da lua, dos mares, da chuva e de todas as outras manifestações dos atributos visíveis e invisíveis de Deus na criação (Rm 1.18). Inclusive, deveríamos deixar de visitar zoológicos e nos relacionar com seres humanos, visto que eles também são alvo da natural tendência humana à idolatria (Rm 1.23).
Esse argumento se utiliza do preconceito natural que muitos evangélicos têm pelos costumes católicos romanos. É verdade que isso vem desde a época da Reforma, e alguns tentam usar as palavras dos primeiros reformadores sobre o assunto, mas aqueles homens viviam num contexto completamente diferente, que era resgatar as doutrinas cristãs originais, e isso, com certeza, os influenciava sobre vários aspectos (um exemplo clássico foi a antipatia de Lutero pela epístola de Tiago).
De qualquer forma, em primeiro lugar, ninguém sabe ao certo "quando, como e qual" Igreja Católica inventou. Devemos nos lembrar de que até a primeira divisão da Igreja, entre romanos e gregos, só existia Igreja Católica - que quer dizer "universal" - e até a Reforma Protestante, todo cristão ocidental era católico, tanto que, no Credo Apostólico, muitas igrejas protestantes usam a expressão "Creio na Igreja Católica".
Não tenho qualquer dificuldade em dar mais crédito a escritos de católicos do passado, como Agostinho, Anselmo, Irineu e Justino, entre outros, que às teorias da conspiração de muitos "evangélicos" do presente. Da mesma forma, o fato de um escritor antigo e importante, seja Agostinho, Lutero ou Calvino, tomar uma posição sobre determinado assunto não nos dá a obrigação de ter a mesma opinião (evidentemente, não estou falando de conceitos doutrinários básicos das Escrituras).
Em um bom texto, Cleriston Andrade, colaborador do CAPC, cita algo interessante: "Muitos [incluo aqui historiadores sérios] afirmam que o domingo foi escolhido como dia de culto pela malvada Igreja Católica de Roma para confrontar os pagãos que comemoravam sua festa dedicada ao Sol nesse dia - por isso, os saxões e descendentes, o chamam de Sun-day ["Dia do Sol"]. Parece muito com o caso do Natal ou é impressão minha? Deveríamos repensar esta prática de cultuar no domingo? Mas, não se esqueça de que o Satur-day também deveria ser errado, pois era designado para outro deus, a saber, Saturno".
Este é o argumento usado pelos reformados tradicionais (como C. Mattew McMahon, citado anteriormente), que nos ensinam a não acrescentarmos nada no culto além do que foi ensinado na Bíblia. Concordo com a ideia e a preocupação dos reformadores quanto a isso, e devemos sempre estar atentos às inovações no culto. Mas, com base apenas na falta de unidade das opiniões dos cristãos reformados , tenho de fazer a polêmica sugestão, com todo o respeito, de que se regule melhor o princípio regulador, numa ideal associação entre a Bíblia e o bom-senso. Enquanto isso impede que muitas bobagens tomem conta das igrejas cristãs, se levarmos o princípio ao seu outro extremo, teríamos de excluir as escolas bíblicas dominicais, os cultos com as crianças, a apresentação dos visitantes, as cantatas, os grupos vocais, entre muitos outros, que também não estão prescritos na Bíblia.
Quando pensamos em celebração natalina, evidentemente, estamos falando da festa realizada pela comunidade cristã. Não estou, de forma alguma, apoiando o consumismo, a glutonaria e toda essa subversão de nossa sociedade, que desvirtuou o motivo original da festa. Por isso, a Igreja de Cristo deve preocupar-se em conscientizar as pessoas, especialmente as crianças, de que a festa de Natal é apenas uma celebração simbólica instituída e não literalmente o aniversário de Jesus Cristo. Além disso, deve deixar claro que o Papai Noel e crendices relacionadas são tão importantes e relevantes para o Natal quanto o "homem-aranha" é para o dia da Reforma Protestante. Ou seja, nada acrescentam. Além dessa admoestação, não vejo motivo para não glorificar a Deus e pregarmos o evangelho por meio desta festa que relembra algo tão magnífico, que marca a história, tanto do homem quanto da salvação.
"Portanto, quer comais quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1Co 10.31).
Embora discorde da opinião do autor sobre o Natal, faço minhas as palavras dele ao rebater os argumentos mais comuns. O texto (em inglês) se encontra em http://www.apuritansmind.com/Christmas/Christmas.htm
ANDRADE, Cleriston. Os judaizantes de hoje. http://www.cacp.org.br/judaizantes_de_hoje.htm. Acesso em 22/9/11.
Vide, por exemplo, John Piper escrevendo a favor. Acesso em 22/9/11.
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