Defesa da Fé

Edição 94

Israel e a manjedoura do Senhor Jesus


Por Norbert Lieth

Diretor da Chamada da Meia-noite Internacional

http://www.chamada.com.br


Na época de Natal, é costume montar presépios em igrejas, lojas e residências. Há os mais variados tipos, diferentes em formas e aparência. Existem presépios grandes e pequenos, orientais e ocidentais, europeus e asiáticos. Eles são montados em meio a reproduções de palmeiras ou pinheiros, e os mais diversos personagens se agrupam ao redor da manjedoura. Mas, em qualquer presépio, sempre há duas figuras muito populares: o boi e o jumento.

Qual é a origem dessa tradição?

O relato bíblico do nascimento de Jesus não menciona bois nem jumentos. Foram alguns "pais da Igreja" (líderes nos primeiros séculos do cristianismo) que introduziram esses animais na história do Natal, e o fizeram com segundas intenções.

A passagem utilizada foi Isaías 1.2-4: "Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, ó terra, porque o Senhor é quem fala: Criei filhos e os engrandeci, mas eles estão revoltados contra mim. O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende. Ai desta nação pecaminosa, povo carregado de iniquidade, raça de malignos, filhos corruptores; abandonaram o Senhor, blasfemaram do Santo de Israel, voltaram para trás".

Muitos pais da Igreja, fazendo uso dessa passagem, diziam parecer que o boi e o jumento têm mais entendimento que o povo de Israel. Por isso, colocaram esses animais no presépio, para servirem de exemplo: esses dois bichos conhecem o senhor de sua manjedoura, enquanto os judeus não o conhecem. Portanto, os dois personagens tradicionais que fazem parte do cenário da manjedoura de Jesus têm sua origem em uma motivação antissemita.


As promessas de Deus contra o antissemitismo


Não devemos desconsiderar que Israel realmente se comportou como um boi ou um jumento no decorrer de sua história, pois foi indiferente, obstinado e teimoso para com o seu Senhor. Por essa razão, Deus teve de trazer juízos e castigos sobre o povo de sua aliança, permitindo que nações estranhas governassem sobre Israel. Nos tempos finais, esse processo atingirá seu ponto máximo.

No final, porém, Deus vai alcançar o alvo que estabeleceu para seu povo, conduzindo-o à manjedoura de seu Filho. Deus não abre mão de suas promessas, cumprindo-as integralmente: "Não te permitirei jamais que ouças a ignomínia dos gentios; não mais levarás sobre ti o opróbrio dos povos, nem mais farás tropeçar o teu povo, diz o Senhor Deus" (Ez 36.15).

O cântico de Maria, por ocasião do nascimento de Jesus, demonstra que a aliança do Senhor com Abraão e os patriarcas tem validade eterna para todos os seus descendentes: "Amparou a Israel, seu servo, a fim de lembrar-se da sua misericórdia a favor de Abraão e de sua descendência para sempre, como prometera aos nossos pais" (Lc 1.54,55).

Deus prometeu exatamente o mesmo a Abraão: "Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tua descendência" (Gn 17.7).

Jesus veio, também, por isso! Ele não se tornou homem para permitir que o antissemitismo triunfasse sobre Israel, mas para confirmar a aliança eterna de Deus com o seu povo: "Digo, pois, que Cristo foi constituído ministro da circuncisão, em prol da verdade de Deus, para confirmar as promessas feitas aos nossos pais" (Rm 15.8).

Quem rouba as promessas de Israel coloca em dúvida a veracidade do que Deus diz e questiona a obra de Jesus na cruz. Assim, o Senhor é apresentado como mentiroso, pois Jesus não veio para tirar as promessas divinas de Israel, mas, sim, confirmá-las.


O caminho pelo qual Deus conduziu Israel


Na "história de Natal antissemita" existe uma pessoa que desempenha um papel muito importante: o rei Herodes (o Grande). Ele foi um dos primeiros antissemitas mencionados no Novo Testamento. Herodes se opôs ao nascimento de Jesus, tentou impedir a salvação e "mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores (Mt 2.16).

Por que ele cometeu esse ato de crueldade?

Será que ele agiu motivado apenas pelo medo de perder seu trono para o "recém-nascido Rei dos judeus" (Mt 2.2)? Ou havia um sentido espiritual mais profundo subjacente à sua ação cruel?

Herodes, como se sabe, era edomita, povo descendente de Esaú (Gn 36.1,8,43). Em Romanos 9.13, Paulo cita Malaquias 1.2,3. Ali, o Senhor diz: "Amei a Jacó, porém aborreci a Esaú".

Por que o Senhor aborreceu a Esaú?

Porque ele não cria na ressurreição!

Ao negociar seu direito de primogenitura, Esaú respondeu a seu irmão Jacó: "Estou a ponto de morrer; de que me aproveitará o direito de primogenitura?" (Gn 25.32).

Esaú negava a realidade da ressurreição. Não acreditava no cumprimento futuro das promessas divinas para Israel. Esaú representa, assim, uma pessoa que direciona todas as suas atenções somente para as coisas terrenas, que não pensa além desta vida aqui na terra e, portanto, despreza os valores espirituais.

Por essa razão, Esaú é chamado de "impuro" e "profano" (Hb 12.6). Ele, por exemplo, tomou, conscientemente como esposas, duas mulheres gentias, que causaram grandes problemas aos seus pais, Isaque e Rebeca (Gn 26.34,35). Em Malaquias 1.1-4, a terra de Edom (de Esaú) é chamada de terra de perversidade e povo contra quem o Senhor está irado para sempre. Conforme Ezequiel 32.29-32, Edom é descrito como estando localizado no reino dos mortos, "com os incircuncisos e com os que desceram à cova".

Portanto, não é de admirar que, sob domínio romano, justamente um descendente de Edom ocupava o trono quando o Filho da Vida nasceu em Belém. Percebemos que a ação de Herodes, ao mandar matar os bebês judeus, foi muito além da simples reação à ameaça ao seu poder real. Simbolicamente, a luta foi entre Esaú e Jacó, entre Herodes e Jesus, entre o reino dos mortos e o paraíso, entre as coisas terrenas e passageiras e as que são eternas.

A pessoa de Herodes está diametralmente oposta às promessas que Deus deu a Abraão para sempre e foram confirmadas pela morte e ressurreição de Jesus Cristo.

Foi, também, um Herodes (Antipas) que ordenou a decapitação de João Batista, porque era dominado pela mentalidade carnal, pela concupiscência dos olhos (Mt 14.6-11). Assim, podemos entender porque esse Herodes (Antipas) zombou e escarneceu de Jesus antes de devolvê-lo a Pilatos. Na pessoa de Herodes, o reino dos mortos se opunha Àquele que venceria a morte (Lc 23.11).

Quando o sinédrio se opôs ao testemunho dos apóstolos acerca da ressurreição, a Igreja primitiva se reuniu, em unanimidade, citando o papel de Herodes (Antipas) em sua oração: "Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se a uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel" (At 4.26,27).

Também, foi um Herodes (Agripa I, neto de Herodes, o Grande) que mandou passar ao fio da espada a Tiago, irmão de João, e mandou prender Pedro (At 12.1-3). Vemos que sempre que o plano de salvação se aproximava de uma encruzilhada importante, aparecia em cena um Herodes antissemita tentando impedir que a vida se manifestasse.

Por isso, certamente, não é por acaso que a Bíblia diz acerca de Edom e de outros que se encontram no reino dos mortos: "Ali, está Edom e todos os seus príncipes, que, apesar do seu poder, foram postos com os que foram traspassados à espada; estes jazem com os incircuncisos e com os que desceram à cova. Ali, estão os príncipes do Norte, todos eles, e todos os sidônios, que desceram com os traspassados, envergonhados com o temor causado pelo seu poder; e jazem incircuncisos com os que foram traspassados à espada e levam a sua vergonha com os que desceram à cova" (Ez 32.29,30).

Não causa surpresa, portanto, que, justamente sobre o orgulho e a morte horrível de Herodes (Agripa I, neto de Herodes, o Grande), a Palavra de Deus diz: "Em dia designado, Herodes, vestido de trajo real, assentado no trono, dirigiu-lhes a palavra; e o povo clamava: É voz de um deus, e não de homem! No mesmo instante, um anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou. Entretanto, a palavra do Senhor crescia e se multiplicava" (At 12.21-24).

Esse severo juízo divino sobre Herodes torna-se mais compreensível se levarmos em conta sua situação espiritual, pois os edomitas, do qual Herodes fazia parte, era um povo profundamente antissemita. E esse povo também desempenha um papel importante nas declarações que o próprio Deus faz a respeito do "Dia do Senhor":

 "Contra os filhos de Edom, lembra-te, Senhor, do dia de Jerusalém, pois dizem: Arrasai-a, arrasai-a, até os fundamentos" (Sl 137.7).

 "Por causa da violência feita a teu irmão Jacó, cobrir-te-á a vergonha, e serás exterminado para sempre" (Ob 1.10).

 "Dizem: Vinde, risquemo-los de entre as nações; e não haja mais memória do nome de Israel. Pois tramam concordemente e firmam aliança contra ti as tendas de Edom e os ismaelitas (Sl 83.4-6).

Entendemos que todo e qualquer antissemitismo se origina desse espírito edomita, inspirado pelo diabo. O espírito de morte que emana de Edom irá se voltar de maneira cada vez mais intensa contra o povo de Israel nos tempos do fim, mas não conseguirá alcançar seu objetivo.


A queda e a ressurreição de Israel


É bem verdade que Israel - diferentemente do boi e do jumento - por muito tempo não reconheceu a manjedoura de seu Senhor. E, também é verdade que o Senhor se tornou uma pedra de tropeço para grande parte de seu povo. O velho Simeão exprime essa realidade com as seguintes palavras: "Eis que este menino será destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição" (Lc 2.34).

Portanto, não somente "ruína", mas, também, "levantamento". Por isso, em Isaías 1, não lemos apenas: "O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende" (v. 3). Todavia, está escrito também que Deus diz: "Restituir-te-ei os teus juízes, como eram antigamente, os teus conselheiros, como no princípio; depois, te chamarão cidade de justiça, cidade fiel. Sião será redimida pelo direito, e os que se arrependem, pela justiça" (v. 26,27).

Por meio do direito daquele que morreu e ressuscitou, pela sua justiça, Israel retornará à manjedoura de seu Senhor.


Um final feliz


A "história de Natal antissemita" não terá um final feliz apenas para Israel. Todos aqueles que se dispuseram, em algum momento da vida, a deixarem de ser "jumentos obstinados" para se transformarem em "ovelhas do pasto de seu Senhor", fazem parte de seu rebanho, são cuidados por Ele e desfrutam da proximidade de sua manjedoura. Jesus nos alimenta. Jesus nos satisfaz. E, neste Natal, no final deste ano em que a história do mundo mudou, temos, mais do que nunca, o privilégio de buscar refúgio naquele que é o Senhor da vida.

Queira Deus que este Natal seja para nós um marco perene, lembrando-nos de que podemos deixar toda a inquietação deste mundo e que temos o direito de usufruir de sua presença, de sua proximidade, de sua intimidade. "A intimidade do Senhor é para aqueles que o temem" (Sl 25.14).

É neste sentido que desejo a todos um Feliz Natal!

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