Símbolos e mitos dos "deuses" modernos
Por Paulo Cristiano Silva
Sociólogo e vice-presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisas
Eles estão sempre ocupados libertando o mundo, salvando as pessoas, combatendo o mal, prendendo os vilões e tornando-se o ideal de inspiração de valores de justiça e bondade para toda uma geração. Nos últimos anos, temos presenciado uma verdadeira invasão na sétima arte desses seres sobre-humanos. Das páginas em quadrinhos para os desenhos animados, eles deram um salto quântico e chegaram às telas do cinema. Superman, Hulk, o Quarteto Fantástico, X-men, Batman, Homen-aranha, Thor, Capitão América, Lanterna Verde e Os Vingadores são alguns dos grandes sucessos de bilheteria dos últimos anos. Mas, o que isso tem a ver com a religiosidade para merecer espaço numa revista como Defesa da Fé?
Segundo consta nos anais da mitologia grega, herói era a denominação dada a seres poderosos que viviam em cavernas. Com o passar do tempo, evoluíram e passaram, então, a ser os mediadores entre os deuses e os homens; e, por fim, na época de Homero, foram-lhes atribuídas façanhas sobre-humanas. Dos heróis gregos que se amalgamavam em deuses, os super-heróis é uma versão moderna de homens se tornando semideuses.
Mas, como surgiram os super-heróis modernos? O oriente, não obstante ter produzido alguns heróis nacionais, como, por exemplo, os ninjas do Japão, o que é normal em qualquer etapa histórica e sociocultural, todavia, nunca produziu super-heróis. Só o ocidente possui certos elementos específicos para isso, e um deles é a cultura científica. É por isso que alguns desses super-heróis adquirem seus superpoderes por meio de tecnologias de ponta ou por meio de energias radioativas (raios gama), como o incrível Hulk, por exemplo, mostrando a sua inserção no mundo científico.
Todo herói é social, pois está, de certo modo, a serviço da comunidade, que é quem o legitima como tal. Mas, em que contexto foram criados? Quais são as ideologias por trás desses seres superpotentes? É interessante notar que os super-heróis surgem dentro de um contexto específico como parte de um sistema e participante de uma geração. Vejamos:
Dentro de uma sociedade urbana
Os super-heróis nunca estão relacionados com a zona rural. Todos eles são urbanos de grandes capitais fictícias, como Gotam City, ou reais, como Nova York.
Dentro do sistema norte-americano
Os super-heróis também são, de certa forma, reprodutores dos valores capitalistas e, como a maioria esmagadora deles é de origem norte-americana, legitimam o modo americano de vida. Muitos heróis são milionários, como, por exemplo, o Batman e o Homem de ferro. Muito embora restrinjam seus feitos heróicos exclusivamente à nação americana, não deixam de refletir a ideologia religiosa do "destino manifesto", que coloca os EUA como responsáveis pela salvação do mundo.
Entre as duas grandes guerras mundiais
Os super-heróis nascem também pela necessidade de legitimar, ideologicamente, os aliados na 2° Guerra Mundial. O primeiro super-herói criado foi o Superman. Em suas primeiras aventuras, o Superman lutava contra Hitler e outros vilões. O Capitão América, o mais ideológico dos super-heróis, fora criado exclusivamente para levantar o ânimo e o moral dos soldados americanos na 2° Grande Guerra.
Todos esses fatores contribuíram preponderantemente para criar o mito dos super-heróis.
Nos primeiros dias em cartaz, a nova adaptação cinematográfica dos super-heróis da Marvel levou 3,4 milhões de pessoas aos cinemas nacionais. E continua quebrando recordes. Depois de se tornar o filme mais visto da história do país (Brasil) em seu fim de semana de estreia, com 1,5 milhão de espectadores, o longa passou a ser a produção de maior público na primeira semana em cartaz, tirando o título que pertencia ao último filme da saga Harry Potter. Em sete dias, "Os vingadores" venderam 3,4 milhões de ingressos.
Com essa marca, o longa, dirigido pelo americano Joss Whedon (Toy Story, 1995), ultrapassou, com folga, "Harry Potter e as relíquias da morte 2". O filme da franquia adolescente havia levado 2,9 milhões de pessoas aos cinemas em sua semana de estreia, em julho de 2011.
A história dos super-heróis aposta na união de forças entre o Homem de Ferro, Thor, Hulk, Capitão América, Gavião Arqueiro e Viúva Negra para salvar o mundo da ameaça de um inimigo. No elenco, Robert Downey Jr., Chris Evans, Mark Ruffalo, Chris Hemsworth, Scarlett Johansson e Samuel L. Jackson.
Mas, há de fato alguma ligação entre super-heróis e religiosidade? Sim.
As pessoas, geralmente, são levadas a pensar que tais personagens simplesmente existem numa dimensão subjetiva, desconectados do mundo em que nós, simples mortais, habitamos.
As histórias fictícias que envolvem a vida desses super-heróis tendem a criar nas pessoas certa abstração da origem desses seres.
O caso é que os super-heróis são criações bem humanas, deste mundo mesmo, produto de seu contexto sociocultural, refletindo, de modo potencializado, "os arquétipos que a humanidade, numa esfera coletiva, tende a projetar" (usando um jargão de Jung).
Esses arquétipos-símbolos, na dimensão antropológica, são imprescindíveis aos grupos para dinamizar-se em meio às teias sociais em que vivem. E, em se tratando de esfera simbólica, a religiosidade é um dos aspectos mais ricos da vida humana em prover tais signos, nutrindo, assim, a realidade humana de sentido.
Elementos religiosos se misturam e se sobrepõem à realidade cotidiana dos seres humanos. Desde o nascimento, passando pelos rituais de iniciação até a morte, o homem é essencialmente homos religionis.
Um dos símbolos-arquétipos que os homens sempre ostentaram é o do "mito do salvador".
Esse mito religioso é abundante não só nas religiões de salvação, mas aparece também nos filmes dos super-heróis. Eles, os super-heróis, são projetados como os salvadores do mundo. Isso pode ser observado nitidamente no último filme do Super-homem, "Superman: o retorno", que parafraseia versículos bíblicos na narrativa do "homem de aço" e projeta imageticamente a figura de um filho enviado para salvar a humanidade, numa clara referência ao Salvador da religião cristã.
Como eles nascem dentro da cultura judaico-cristã, os valores morais e éticos reproduzidos são, na maioria, valores da cultura cristã, em que o bem e o mal sempre estão a se digladiar. A sede de justiça e a luta para ajudar os menos favorecidos contra seus opressores refletem o ideal cristão.
O meio pelo qual alguns deles adquirem seus poderes (mágico-religiosos) também leva-nos a enxergar essa faceta religiosa (mas não necessariamente cristã), tais como o Spawn (filho do inferno) e o Dr. Estranho (espécie de feiticeiro).
Alguém já disse que "quanto mais fracos os homens numa sociedade, tanto mais eles precisam de super-heróis". Isso acontece porque a sociedade atual está esvaziando o homem dos valores judaico-cristãos à medida que eles são relativizados pela ideologia pós-moderna.
Por outro lado, tais personagens carregam consigo uma valiosa carga de valores que são, na verdade, a projeção de ideais desejados pelo ser humano criado à imagem de Deus.
Portanto, esses filmes podem ser usados de duas formas: no trabalho de socialização cristã e no diálogo com não cristãos. Dentro do contexto cristão, pode-se explorar sua função típica à medida que eles apontam para Jesus Cristo como o clímax acabado e perfeito desses valores. Jesus reúne em si todos esses valores desejados e projetados numa escala infinitamente maior.
Visto por este prisma, os educadores cristãos podem muito bem explorar esses filmes como recursos pedagógicos de forma inteligente e crítica (apontando os erros que aparecerem) ao criar uma ponte para ensinar valiosas lições de ética e moral aos nossos jovens.
Dentro de um contexto não cristão, pode-se fomentar o debate sobre a importância e necessidade dos valores morais e éticos dentro de nossa sociedade.
Muitos personagens da editora americana Marvel foram adaptados para o cinema, principalmente a partir do final dos anos 90. O sucesso de franquias baseadas em Blade, X-Men e Homem-Aranha levou a Marvel a transformar seu estúdio Marvel Films em uma produtora autossuficiente (com distribuição da Paramount Pictures), com o Homem de Ferro sendo a primeira produção independente. Confira, a seguir, a lista de produções dos últimos dez anos:
2002
Blade 2
Homem-Aranha
2003
Demolidor: o homem sem medo
X-Men 2
Hulk
2004
O Justiceiro
Homem-Aranha 2
Blade: Trinity
2005
Elektra
Homem-Coisa
Quarteto Fantástico
2006
X-Men: o confronto final
2007
Motoqueiro Fantasma
Homem-Aranha 3
Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado
2008
Homem de Ferro
O Incrível Hulk
O Justiceiro: Zona de Guerra
2009
X-Men: origens: Wolverine
2010
Homem de Ferro 2
2011
Thor
X-Men: primeira classe
Capitão América: o primeiro vingador
2012
Motoqueiro Fantasma - O Espírito da Vingança
O maravilhoso Homem-Aranha
Os vingadores
2013
Homem de Ferro 3
Thor 2
2014
Capitão América 2
Kothe, R. Flávio. O herói. São Paulo, 2ª ed. Ed. Ática, 1987.
Kupstas, Márcia. Vários autores. Sete faces do herói. São Paulo, editora Moderna, 1992.
http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/18/artigo98209-1.asp
http://www.espacoacademico.com.br/029/29cviana.htm
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