Defesa da Fé: O senhor acredita que as religiões são maléficas para o mundo?
Alister McGrath: Em primeiro lugar, devemos abandonar a ideia antiquada de que as religiões dizem mais ou menos as mesmas coisas. É claro que não dizem! Respondo como um cristão que defende que a face, o caráter e a vontade de Deus foram revelados por completo em Jesus de Nazaré. E Jesus de Nazaré não cometeu nenhuma violência contra ninguém. Ele foi o objeto e não o agente da violência. Em vez de combater violência com violência, fúria com fúria, os cristãos são exortados a “oferecer a outra face” e não a “deixar o sol se pôr sobre a sua ira”. Logo, especificamente, o cristianismo, espelhado em Jesus, não é maléfico ao mundo. Absolutamente. Não há dúvida, entretanto, de que a religião pode gerar violência, mas ela não está sozinha nisso. A história do século XX nos proporcionou uma consciência alarmante sobre como o extremismo político pode, igualmente, causar violência. Na América Latina, milhares de pessoas parecem ter “desaparecido” em consequência de campanhas violentas e implacáveis de políticos direitistas e suas milícias. No Camboja, Pol Pot eliminou milhões de seus compatriotas em nome do socialismo. Esses são apenas alguns poucos exemplos do tipo de ideologia que realmente pode ser maléfica ao mundo.
Defesa da Fé: Nesse contexto, poderíamos dizer que o ateísmo é uma dessas ideologias que influenciam sistematicamente as pessoas a agirem mal?
Alister McGrath: Com certeza. Talvez, seja o melhor exemplo. Lênin considerava fundamental, para a revolução socialista, eliminar a religião, e pôs em prática medidas planejadas para erradicar as crenças religiosas por meio do “uso prolongado da violência”. Uma das maiores tragédias dessa era sombria da história humana foi causada pelos que tentaram eliminar a crença religiosa por meio da violência e da opressão, acreditando possuir justificativas para tal. As autoridades soviéticas destruíram e eliminaram sistematicamente a grande maioria das igrejas e dos sacerdotes entre 1918 e 1941. A história da União Soviética está repleta de incêndios e explosões de igrejas. A verdade dos fatos é que os seres humanos são capazes tanto de violência quanto de excelência moral e ambas podem ser provocadas por visões de mundo – religiosas ou não.
Defesa da Fé: E essas visões de mundo não religiosas teriam algum caráter metafísico?
Alister McGrath: Certamente. Ao rejeitar a ideia de Deus, a sociedade tende a transcendentalizar alternativas – como os ideais de liberdade e igualdade, por exemplo. Estes tornam imediatamente autoridades quase divinas, que a ninguém é permitido desafiar. Talvez, o exemplo mais familiar seja a Revolução Francesa, um tempo em que as noções tradicionais acerca de Deus foram descartadas como obsoletas e substituídas por valores humanos transcendentalizados. Madame Rolande foi levada à guilhotina, em 1972, para ser executada sob falsas acusações. Quando se preparava para morrer, ela se curvou, zombeteiramente, para a estátua da liberdade na Place de La Révolution e proferiu as palavras pelas quais é lembrada até os dias de hoje: “Liberdade, quantos crimes são cometidos em seu nome?”. Todos os ideais – divinos, transcendentes, humanos ou inventados – podem ser mal-usados. Assim é a natureza humana. E, cientes disso, precisamos decidir o que fazer a respeito, em vez de atacar, indiscriminadamente, a religião.
Defesa da Fé: Então, se as coisas são assim, caso as religiões na existissem, isso não garantiria o fim nas divisões da humanidade?
Alister McGrath: Com certeza, não. Tais divisões são, basicamente, construtos sociais que refletem a necessidade sociológica fundamental de autodefinição das comunidades e identificam quem está “dentro” e quem está “fora”, quem são os “amigos” e quem são os “inimigos”. A crença simplista, de que a eliminação da religião levaria ao fim da violência, da tensão social ou da discriminação, é sociologicamente ingênua. Ela não leva em conta como os seres humanos criam valores e normas e dão sentido à sua identidade e ao meio que os cercam. Se a religião deixasse de existir, outros demarcadores sociais surgiriam como decisivos, alguns dos quais, no devido tempo, se tornariam transcendentes. Simplificações grosseiras a respeito da religião, da exclusão e da violência apenas vão retardar e adiar a solução dos reais problemas da humanidade. A questão sobre o futuro papel da religião em nossos países é importante demais para ser deixada na mão de fanáticos ou de ateus fundamentalistas. Existe uma necessidade real de lidar com as principais causas das divisões e exclusões sociais. A religião está lá, junto com uma miríade de outros fatores. Sim, ela pode causar problemas, mas também tem a capacidade de transformar, gerando profundo sentido de identidade e valor pessoal, trazendo coesão social.
Defesa da Fé: A referida coesão social aponta para o fato segundo o qual, de alguma forma, a religião pode causar bem-estar social, em vez de violência e outros obstáculos?
Alister McGrath: Existem estudos que comprovam isso. Muitos trabalhos continuam sendo realizados nesse campo; isto é, sobre os benefícios das religiões para a sociedade. Tais estudos não provam que determinada religião está certa, embora saibamos que o cristianismo é a única opção para a salvação do homem. Os estudos apontam, porém, para a crescente importância de explorar a relação entre a espiritualidade e o bem-estar do homem, livre de constrangimentos ideológicos das polêmicas seculares ou religiosas. Além disso, as evidências que relacionam o bem-estar com a espiritualidade se avolumam. Há implicações óbvias aqui, em qualquer país, para as políticas públicas de saúde, por exemplo. Por que a espiritualidade deveria ser excluída dos cuidados médicos, quando ela é tão claramente importante para a maioria dos pacientes? Em qualquer abordagem centrada nos resultados, a espiritualidade se mostra como uma inclusão evidentemente adequada. Não é o que os secularistas exaltados gostariam, mas é o caminho pelo qual as evidências nos conduzem.
Defesa da Fé: Diante de tudo isso, podemos ser enfáticos em afirmar que a religião não merece a responsabilidade que lhe recai sobre os ombros pelas tragédias do mundo?
Alister McGrath: Sim! Toda visão de mundo, religiosa ou não, tem seu ponto vulnerável. Há uma tensão entre teoria e experiência, que suscita questões acerca da coerência e da probidade da visão de mundo entre si. No caso do cristianismo, muitos situam essa fraqueza na existência do sofrimento no mundo. No caso do ateísmo, é a persistência da crença em Deus, quando supostamente não existe nenhum Deus em quem acreditar. Até recentemente, o ateísmo ocidental aguardava, com paciência, acreditando que a crença em Deus simplesmente desapareceria. Mas, agora, há um cheiro de pânico no ar. Longe de desaparecer, a crença em Deus reverberou, e ainda parece disposta a exercer grande influência, tanto na esfera pública quanto na privada. A aflição reside no fato de que a coerência do próprio ateísmo está em jogo. E termino com uma provocação: Poderia o ressurgimento da religião convencer a muitos de que o ateísmo em si é fatalmente deficiente como visão de mundo? Acreditamos que, em muitos casos, a resposta é positiva. Contudo, nunca perdemos de vista que os rumos da história, inclusive das religiões, é regido pela destra do nosso soberano Senhor.
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