Entrevista



Cléber Fontoura Marcolan - A clonagem e a ética cristã



Por Jamierson Oliveira


De tempos em tempos, a fé e a religião são sacudidas por descobertas científicas que exigem dos crentes, principalmente de nós cristãos, uma revisão de nossos paradigmas e uma melhor interpretação das Escrituras. A clonagem é um exemplo recente disso. Por isso, convidamos nosso consultor, o cientista cristão Cléber Marcolan, que tem Mestrado em Biologia Celular e Estrutural pela UNICAMP e atualmente cursa Doutorado em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS, para nos esclarecer sobre o tema. Ele ainda é professor na Universidade Luterana do Brasil onde ministra as disciplinas de Biologia Celular, Histologia e Embriologia, e como membro da Igreja Evangélica Luterana da Renovação (RS), serve como pregador e discipulador.

Defesa da Fé – O que é clonagem e em que ela difere da chamada clonagem terapêutica?

Cléber Marcolan – Clonagem é a técnica de retirar o núcleo de uma célula somática (embrionária ou adulta) e implantar em um óvulo sem núcleo para que possa ser desenvolvido um embrião com características genéticas iguais as do doador do núcleo. A chamada clonagem terapêutica é a tentativa de clonar somente órgãos ou tecidos isolados. Sua grande vantagem é que ao transferir o núcleo de uma célula de uma pessoa para um óvulo sem núcleo, esse novo óvulo, ao dividir-se, gera, em laboratório, células potencialmente capazes de produzir qualquer tecido. Já a clonagem reprodutiva humana é a técnica pela qual pretende-se fazer uma cópia de um indivíduo. Nessa técnica, se o óvulo com esse novo núcleo começasse a se dividir e fosse transferido para um útero humano e se desenvolvesse, ter-se-ia uma cópia da pessoa de quem foi retirado o núcleo da célula. A diferença fundamental entre os dois procedimentos é que na transferência de núcleos para fins terapêuticos as células são multiplicadas em laboratório para formar tecidos e a clonagem reprodutiva requer a inserção em um útero.

Defesa da Fé – O Brasil já possui tecnologia para a manipulação dessas técnicas?

Cléber – Sim. Embora o Brasil esteja atrasado em muitos campos das ciências, aqui já existe tecnologia suficiente para manipular a clonagem em campo experimental. Já obtivemos várias plantas e animais clonados, principalmente no campo da reprodução animal.

Defesa da Fé – No caso da clonagem terapêutica, quais as implicações éticas e religiosas?

Cléber – A grande discussão quanto à clonagem terapêutica está na obtenção de células potencialmente capazes de produzir qualquer tecido ou órgão e transplantá-los para milhares de doentes que aguardam nas filas de transplantes com doenças terminais. A questão mais difícil é a determinação sobre em que momento começa a vida. Assim, será que o blastocisto (embrião) já pode ser considerado um ser vivo ou somente no momento em que ocorre a formação do feto é que podemos dizer que há vida? Será que temos o direito de criar um embrião para servir de banco de células e não deixá-lo viver? Será que não seria sacrificar um ser para salvar outro? Estas são algumas das questões mais polêmicas com que estamos lidando.

Defesa da Fé – A possibilidade de cura de tantos males, na sua opinião, justifica essa técnica?

Cléber – Para mim, nada justifica a negação ao direito à vida. Se as técnicas de clonagem terapêutica conseguirem trabalhar com células-tronco sem ser necessário gerar um embrião para ser banco de células, sou a favor, caso contrário, posiciono-me contra.

Defesa da Fé – Só no Brasil, estimasse haver 30 mil embriões congelados, alguns prestes a serem descartados, o que tem provocado protestos veementes de diferentes setores. Qual é a sua opinião sobre esse quadro?

Cléber – Na minha concepção, embriões já são seres humanos. A questão de estarem congelados não muda esse fato. Assim, o descarte desses embriões é assassinato, pois no momento em que foram concebidos passaram a ter direito a vida. Muitas pessoas justificam o descarte de embriões dizendo que as mulheres ou o casal que forneceu o material são “donos” do embrião e, portanto, podem determinar seu destino, seja viver ou ir pro lixo. Partindo desse princípio, um casal poderia ser considerado inocente por assassinar uma criança de 2 anos, por não o desejarem mais? Ora, sabemos que isso é inconcebível, considerado crime hediondo e totalmente bestial. Porque devemos ter outra reação em relação aos embriões?

Defesa da Fé – Outra polêmica diz respeito à chamada reprodução assistida, segundo a qual um casal infértil pode ter seu tão sonhado filho. Mas também há riscos. Poderia enumerá-los?

Cléber –As técnicas de reprodução assistida realmente tem seu lado positivo. Porém, deve-se lembrar que para uma tentativa de reprodução assistida são fertilizados cerca de 10 óvulos, e desses, alguns são utilizados para ver se um deles consegue se implantar no útero materno. A chance é de um ou no máximo dois conseguirem a implantação. O restante é congelado e posteriormente será descartado. Se levarmos em conta a clonagem reprodutiva como ferramenta de auxílio na reprodução assistida, temos alguns problemas que considerar, tais como: o número alto de falhas e mortes entre recém-nascidos; um clone também poderia mudar a dinâmica familiar de modos profundos e imprevisíveis; neste momento, com o mercado negro de venda de embriões, casais estéreis poderiam comprar um embrião clonado que era roubado ou seria descartado por ter riscos médicos; se um bebê for clonado, seus cromossomos poderiam emparelhar com a idade do doador, significando que um bebê de 5 anos se pareceria com um de 10 anos, com potencial para desenvolver doenças de coração e câncer; etc.

Defesa da Fé – Diante de tão grande possibilidade de reprodução que estamos vivemos, não podemos, num futuro próximo, ter problemas sérios na estrutura familiar?

Cléber – Se levarmos em consideração que com as técnicas de clonagem há a possibilidade de ser gerado um embrião sem a participação masculina, com certeza teríamos uma desestruturação familiar. Isso traria complicações psicológicas enormes para uma criança que seria praticamente filha de ninguém. Como seria tratada pela sociedade? Em uma sociedade como a nossa, onde tantas crianças já estão morando na rua por falta de pais responsáveis e onde milhares de abortos são realizados todos os dias, não há nada que justifique a clonagem reprodutiva.

Defesa da Fé – A recente aprovação da Lei de Biossegurança pelo Senado coloca o Brasil no temido mapa da clonagem humana?

Cléber – Não. A lei de Biossegurança aprovada permite apenas as pesquisas com organismos geneticamente modificados (transgênicos) e com células-tronco de embriões que estejam pelo menos há 3 anos congelados. Ela não permite a pesquisa com clonagem reprodutiva.

Defesa da Fé – É possível que a clonagem humana já tenha sido feita com sucesso clandestinamente?

Cléber – A chance de uma clonagem humana ter sido feita é remota, pois as técnicas de clonagem ainda estão em fase de experimentação. Para obter a ovelha Dolly, o cientista Ian Wilmut fez 277 tentativas. De lá pra cá as técnicas se aperfeiçoaram, mas a dificuldade de obter um embrião humano clonado com sucesso ainda é grande. Porém, descartar totalmente a possibilidade é ser cético demais. Médicos italianos estão anunciando a clonagem de três bebês, porém até agora nenhuma prova foi dada.

Defesa da Fé – A clonagem reprodutiva será uma realidade no futuro?

Cléber – Tudo dependerá da sociedade. As técnicas de clonagem reprodutivas em humanos serão estabelecidas, com ou sem o apoio dos governantes ou da sociedade. Agora, a aplicação dessas técnicas, só será levada adiante se as pessoas considerarem algo normal ou natural, pois são os representantes da sociedade que formam o governo que poderá ou não regulamentar tais técnicas.

Defesa da Fé – Qual é a sua posição como um cientista cristão diante de tanta polêmica?

Cléber – Como cientista, estou sempre aberto a novas descobertas e tecnologias. Creio que não devemos jamais cair novamente no obscurantismo medieval. Porém, como cristão, creio que devemos ter em mente que toda a ciência deve estar de acordo com a ética e a moral da Palavra de Deus. Assim, se uma tecnologia beneficiará a humanidade, deve ser bem aceita desde que não fira o princípio de amor à vida. Creio que logo se desenvolverão novas tecnologias em que não haverá necessidade de sacrificar embriões, tais como a Terapia Gênica, em que se corrigirão genes defeituosos nos próprios embriões, tornando-os aptos à vida.

Defesa da Fé – Alguns teólogos menos conservadores apontam para a criação de Eva como um exemplo de clonagem. O senhor concorda?

Cléber – Discordo totalmente. Se fosse uma clonagem no sentido biológico da palavra, teria de ser criado outro homem e não uma mulher, pois um clone é geneticamente igual a sua matriz. Isso é tentar dar força à técnica de clonagem utilizando uma exegese e uma hermenêutica distorcidas para a interpretação de um fato da Bíblia. Cientificamente seria impossível Eva ser um clone, pois então quem teria fornecido o óvulo para ela ser gerada? Lilith? (segundo a tradição judaica, a primeira companheira de Adão).

Defesa da Fé – A igreja católica sempre se posiciona a respeito de temas como este. Os evangélicos deveriam tomar qual postura?

Cléber – Creio que os evangélicos deveriam se posicionar sempre que algo envolvesse os princípios da Palavra de Deus. Assuntos polêmicos como este sempre têm dois lados. Devemos, primeiramente, estudá-los e então emitir um parecer.

Defesa da Fé – O senhor concorda com o bordão “a ciência está brincando de Deus”?

Cléber – Não. Deus nos deu inteligência. Não utilizá-la seria enterrar um talento que Ele nos concedeu. Agora, em todas as áreas, tanto da ciência quanto da filosofia e mesmo da teologia, existem os bem-intencionados e os mal-intencionados. Isso é conseqüência do pecado de Adão, a nossa tendência ao mal. Devemos saber administrar isso e como a própria Bíblia diz, reter o que é bom.

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