Entrevista



Rosalee Velloso Ewell - A mulher na teologia



Por Jamierson Oliveira

Os homens são a maioria em quase todas as profissões. E não é diferente na esfera religiosa. Ainda hoje, há muita resistência à presença da mulher no altar e o tema “pastora”, quando debatido, provoca polêmica. Todavia, não é só nessa área que a ausência feminina pode ser sentida, mas também no ensino teológico. Mulheres com formação acadêmica em teologia são raras. Mas, ao que parece, este quadro está mudando. Prova disso é que, nesta edição, conversamos com a professora Rosalee Velloso Ewell, com mestrado em teologia pelo Fuller Theological Seminary (Pasadena, EUA) e doutorado em teologia e ética (Ph.D.) pela Duke University (Durham, EUA). De volta ao Brasil recentemente, leciona teologia e ética bíblica na Faculdade Teológica Sul Americana em Londrina, PR, além de conduzir pesquisas sobre os temas “Teologia cristã e formação de pessoas evangélicas” e “O significado de Israel para a identidade da Igreja moderna em relação à leitura dos textos de Israel”. A entrevista que segue desafia outras mulheres a também se dedicarem ao estudo teológico, quebrando barreiras e preconceitos culturais.

Defesa da Fé – Houve a participação feminina na história da teologia?

Rosalee Velloso – Sim, principalmente na tradição católica podemos destacar grandes nomes como Teresa de Jesus e Catarina de Siena, na Idade Média, e outras como Catherine Mowry LaCugna e Elizabeth Johnson, no século XX. Mais recentemente, na tradição protestante, mulheres como Elizabeth Barnes (EUA), Gabriele Greggersen (Brasil) e Carmen Pérez de Camargo (México). Assim como os homens, as mulheres protestantes também tiveram participação na história da teologia, cumprindo as mais variadas funções: professoras, conselheiras, missionárias, etc. Mas, acima de tudo isso, a história da teologia que a Bíblia nos conta é a história de Deus e do seu povo, Israel. É também a história de como este mesmo Deus, por meio de seu Filho, nos fez parte do povo escolhido, que inclui homens e mulheres, pessoas de todas a nações, de todos os tempos e de todas as idades. A minha ênfase é que a teologia, primeiramente, é sobre Deus e não sobre nós, homens ou mulheres.

Defesa da Fé – Existe, no estudo da teologia, diferença de enfoque ou de perspectiva comparando o trabalho realizado por homens e mulheres?

Rosalee – Não se pode generalizar a “perspectiva” da mulher nem do homem. O enfoque ou a perspectiva de um estudo teológico vai variar de acordo com o contexto, a tradição, a época, etc., em que se encontra a pessoa, seja mulher ou homem. A teologia, de modo geral, é algo que todo cristão faz. Por exemplo, quando oramos ao Deus Pai, pelo do Espírito e em nome de Jesus, estamos fazendo teologia. Isto é, estamos afirmando algo sobre Deus. Em termos de compreensão ou ensinamento de áreas mais específicas da teologia, não há um papel destacado para a mulher ou para o homem, pois é uma questão de dons e vocações, não de gênero.

Defesa da Fé – Por que essas coisas não são destacadas ou conhecidas?

Rosalee – Por sermos pecadores e não termos todo o conhecimento sempre haverá na Igreja vozes excluídas. Isto ocorreu no passado. Por exemplo, alguns cristãos primitivos não quiseram incluir os gentios em suas sinagogas, mas, graças a pessoas como o apóstolo Paulo, eles (primeiros cristãos) começaram a entender que o evangelho de Cristo destrói todas as barreiras, sejam raciais, de gênero ou de classe, conforme Efésios 2.11-20. Precisamos ser cristãos corajosos como Paulo, ouvindo os excluídos e procurando, em nossas histórias, exemplos de outros cristãos que quebraram tais barreiras em nome do evangelho. Precisamos estar sempre alertas para não cairmos na tentação de igualar o evangelho ao que a nossa cultura ou a nossa sociedade diz ser o ideal.

Defesa da Fé – O que se pode saber sobre as mulheres (esposas, mães, professoras) dos grandes teólogos cristãos?

Rosalee – Gosto muito de ler biografias, sejam de teólogos, políticos, escritoras, etc. No caso dos teólogos, acho que podemos entender melhor suas teologias à medida que entendemos mais sobre suas vidas. Um grande exemplo é Santo Agostinho e sua mãe, Santa Mônica, um ótimo exemplo de como pais e mães devem sempre orar pelos seus filhos. Ela também foi educadora e evangelista, influenciando, assim, não só a vida de seu filho, mas de muitos outros por intermédio de Agostinho. Um exemplo negativo é a esposa de John Wesley que, além de ter um temperamento muito difícil, foi contra o ministério do marido. Mas, apesar destas dificuldades, Wesley permaneceu firme, pregando o evangelho e ajudando muito o reavivamento da igreja.

Defesa da Fé – Em pesquisa nacional, realizada pelo ICP, confirmamos um fato conhecido: a ausência da mulher nos cursos teológicos. Apenas 14% dos entrevistados eram do sexo feminino. O que explica o desinteresse das mulheres pela teologia?

Rosalee – Não há desinteresse das mulheres nem dos homens pela teologia. O fato é que, no Brasil, o reconhecimento e a importância conferidos à educação teológica é algo muito recente. Além disso, a tendência nas nossas igrejas, principalmente nas tradições protestantes, tem sido encorajar os homens a estudarem teologia e não as mulheres. Mas agora estamos vendo que todos na igreja precisam conhecer a Palavra de Deus e que o treinamento teológico não é só para os homens. As mulheres também precisam desta educação, pois fazem parte da igreja e os seus ministérios são fundamentais para o crescimento do reino de Deus.

Defesa da Fé – Por que, então, em missões ocorre um fenômeno inverso? Ou seja, entre os missionários solteiros, as mulheres são o dobro dos homens.

Rosalee – Creio que, historicamente, algumas mulheres se destacaram mais em missões porque no campo missionário as barreiras para o ministério não eram tantas quanto tiveram de enfrentar em suas terras natais. Este foi o caso, por exemplo, de muitas missionárias inglesas na Índia, no século 19. Lá, podiam ensinar a Palavra, pregar, participar e organizar os cultos, entre outras atividades. Mas os líderes das igrejas na Inglaterra tinham medo de permitir que as mulheres exercessem as mesmas funções em casa.

Defesa da Fé – Como este quadro pode ser corrigido?

Rosalee – O quadro que precisa ser corrigido é aquele que desvaloriza a educação teológica, tanto para mulheres quanto para homens. Nós, cristãos brasileiros, temos permitido que a nossa cultura materialista domine também as idéias que possuímos sobre vocação. Isto é, freqüentemente valorizamos mais aquele ou aquela jovem que presta o vestibular para administração ou marketing do que aquele ou aquela que se mostra interessado em fazer uma faculdade de teologia e missões. Precisamos nos perguntar o porquê desta tendência e começar a corrigi-la.

Defesa da Fé – A senhora já analisou o movimento feminista e seus efeitos para a história cristã contemporânea?

Rosalee – Não diretamente. Já estudei algumas teologias feministas em seus contextos históricos. Em boa parte dos casos, foram movimentos que surgiram para reavivar as igrejas que estavam sofrendo uma apatia geral. Qualquer movimento sempre terá seus lados positivos e negativos. A importância dos movimentos feministas é que vários deles ajudaram as igrejas a dialogar novamente e a pensar e repensar o seu testemunho no mundo. Também levaram a um exame mais profundo das Escrituras, como fizeram os cristãos em Beréia, quando Paulo os visitou (At 17.10-15). Precisamos, hoje, de mais irmãs e irmãos como os da Beréia.

Defesa da Fé – Como a senhora vê o apóstolo Paulo em suas cartas sobre as mulheres?

Rosalee – Vai depender da carta e da mulher. Vemos, por exemplo, em suas correspondências com Corinto e Roma, que Paulo não só afirmava a importância das mulheres na igreja como também alegrava-se com o ministério de mulheres como Priscila (Rm 16.3), Lóide e Eunice (2Tm 1.5), entre outras.

Defesa da Fé – A luta pela legitimidade da mulher no púlpito é válida? Justifique.

Rosalee – A Bíblia diz que a pregação é um dom e não algo que deve ser usado politicamente para incluir uns e excluir outros. Nós, mulheres e homens cristãos, não podemos tomar para nós aquilo que é de Deus. Se o Espírito Santo quer dar determinado dom a certa pessoa, quem sou eu para dizer que Deus não pode fazer isso?

Defesa da Fé – Curiosamente, Eva e Maria estão nas extremidades da história bíblica da salvação. O que podemos aprender com as duas?

Rosalee – Sempre podemos aprender algo com as pessoas comuns chamadas por Deus para realizarem coisas extraordinárias. Este é o caso em todas as histórias bíblicas que, a propósito, não termina com Maria. Talvez, no caso de Eva e Maria, podemos destacar duas coisas: com Eva aprendemos que podemos continuar a caminhada de fé, mesmo depois de um grande erro. Vemos que ela aceitou não só o castigo divino como também o perdão divino que a capacitou a seguir em frente, mesmo em meio a muitas dificuldades. Com Maria também podemos aprender muitas coisas. Uma delas é o seu conhecimento bíblico. Apesar de todos os preconceitos e barreiras, ela foi capaz de entender que a mensagem do anjo Gabriel estava “de acordo com as Escrituras” e, por isso, soube citar as Escrituras em seu famoso cântico, registrado em Lucas 1.46-55. Sua fidelidade às Escrituras fortaleceu sua fé, o que fez dela um grande exemplo para os cristãos de todos os séculos.

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