Entrevista



Serguem Jessuí Machado - A responsabilidade social cristã



Por Jamierson Oliveira

O atual diretor-executivo da Visão Mundial (missão presente em mais de noventa países), Serguem Jessuí, 46 anos, há 22 trabalha nessa organização não-governamental cristã, cuja finalidade é dar apoio a comunidades carentes por meio de um desenvolvimento sustentável.

Jessuí é administrador de empresas com MBA e, por conta do ministério que exerce na Visão Mundial, participa de diferentes movimentos sociais em fóruns internacionais e nacionais. É grande autoridade na área social e profundo conhecedor das necessidades do povo brasileiro nesse aspecto. Sua contribuição à igreja evangélica tem sido despertá-la para que se dedique mais ativa e intensamente em suas responsabilidades sociais.

A entrevista que segue foi concedida, por e-mail, de Angola, África.

Defesa da Fé – A ONU divulgou recentemente seu relatório sobre pobreza. Quais são os dados da realidade social mundial atualmente?

Serguem Jessuí – No que se refere ao processo de desenvolvimento, a situação do pobre não mudou muito; pelo contrário, piorou. Os mais vulneráveis, crianças e mulheres, continuam sofrendo, especialmente com as decisões econômicas. São milhares de pessoas contaminas pelo vírus da AIDS/HIV, especialmente no continente do Saara Africano, onde, em alguns países, mais de 25% da população está contaminada. É uma tragédia! É crescente, também, o número daqueles que vivem abaixo da pobreza absoluta. São mais de um bilhão de pessoas e mais de seiscentos milhões de crianças em pobreza absoluta. Em todo o mundo, 170 milhões de crianças são subnutridas e mais de cem milhões delas, além de pobres, estão fora da escola. Enfim, três quinto da humanidade não tem saneamento e um terço não tem água potável.

Defesa da Fé – O senhor entende também que esse quadro é, em parte, resultado da “queda” do homem dos planos originais de Deus ?

Jessuí – Sem dúvida, o pecado trouxe toda sorte de maldade. O egoísmo, a cobiça, a falta de solidariedade, o desejo de acumular riqueza e a violência, somente para citar algumas. No projeto de Deus, no entanto, a redenção e a transformação em todas as dimensões de nossa vida vêm por meio do “novo Adão”, Jesus. Na verdade, temos receios de experimentar o significado desta transformação profunda, daí existirem crentes desonestos, não solidários, que não praticam a justiça. Num sentido espiritual, podemos dizer que o mal está entronizado nas estruturas políticas, econômicas, sociais e religiosas. Elas são geradoras de morte. Por acreditarmos na redenção plena não podemos nos sujeitar a isso.

Defesa da Fé – Como as nações, especialmente as ditas cristãs, estão lidando com isso?

Jessuí – Fazemos muita referência ao atraso do mundo não-cristão, mas precisamos ter consciência de que o mundo cristão produz muitas desgraças. Quantas mortes de crianças são produzidas pelos embargos comerciais. As políticas macroeconômicas, geradas pelas nações cristãs ricas, aniquilam até mesmo outras nações cristãs coirmãs. Mas hoje já existe projeto para enfrentar (erradicar) a pobreza na ordem do dia de todas essas nações e organismos multilaterais. Já é um pequeno começo. Imaginem o povo cristão do mundo unido, que força extraordinária seria.

Defesa da Fé – O senhor acredita na disposição genuína das nações ricas em resolver concretamente os desafios sociais do mundo em desenvolvimento?

Jessuí – Ainda não, mas não vejo uma alternativa. Cedo ou tarde, elas vão perceber que precisam de esforços genuínos, para a sobrevivência da raça humana. De qualquer modo, o que percebo é que o tema “pobreza” está, cada vez mais, presente na agenda internacional.

Defesa da Fé – A questão é um desafio político ou econômico?

Jessuí – Muito mais político, com implicações econômicas. Na minha posição pessoal, acho que deveria ser também um desafio cristão.

Defesa da Fé – O senhor acha que a eleição do Lula terá impacto objetivo nessas questões sociais ou pouco será feito?

Jessuí – Já sentimos que está havendo um pouco mais solidariedade. Amplos setores da sociedade começam a comprometer-se. Um fato que poderá alterar substancialmente será a participação da sociedade. Se conseguirmos reduzir os níveis de corrupção, seguramente teremos um pouco mais de recursos.

Defesa da Fé – A Visão Mundial é considerada a maior ONG cristã do mundo. Isso mostra a força do chamado Terceiro Setor ou é um caso isolado?

Jessuí – Não. Existem muitas organizações com a Visão Mundial com extrema expressão internacional. Ultimamente, as organizações têm-se fortalecido na área profissional e se envolvido com variados temas. No Brasil, faz pouco tempo, que o chamado Terceiro Setor ganhou expressão e importância.

Defesa da Fé – Algum caso marcou profundamente seu trabalho à frente da organização?

Jessuí – Muitíssimos. Lembro-me de uma senhora que visitei na periferia. Ele residia ali em condições subumanas por mais de onze anos. Sem luz, sem água e numa casa de pau-a-pique. Pensei na nossa indiferença. Imaginem, bem perto do nosso nariz, uma filha de Deus nessas condições. Sempre me emociona quando vejo algumas pessoas que, aos nossos olhos, não seriam nada, aparentemente. Agora ela está trabalhando, participando da comunidade e com muita consciência social e política. Esse é apenas um caso, entre milhares.

Defesa da Fé – Muitos empresas têm falado sobre responsabilidade social. As igrejas não deveriam também agir da mesma forma?

Jessuí – As empresas começaram a falar sobre responsabilidade social recentemente, pois perceberam que sua sobrevivência implica num comprometimento com a comunidade local e com o desenvolvimento do povo. Penso que o tema Responsabilidade Social da Igreja antecede ao movimento das empresas. Existem muitos e expressivos projetos organizados e apoiados pelas igrejas. No entanto, as empresas estão sendo capazes de colocar isso melhor em debates e nos questionamentos de suas próprias práticas.

Defesa da Fé – O que o senhor entende por “a missão da igreja”? Em que se compreende o “Ide” de Jesus?

Jessuí – É o anúncio da proclamação do evangelho que liberta o homem do pecado e transforma completamente a sua vida pessoal e comunitária, com implicações para todas as demais dimensões da vida. O “Ide” de Jesus, em Mateus 28.19, começa com fazer discípulos. Isto implica em formar gente que personifique os valores do Rei e siga a Cristo de forma radical. Em decorrência disso, nós, os evangélicos, assumimos um novo estilo de vida.

Defesa da Fé – O engajamento da igreja nas questões sociais ajuda o seu crescimento? Cite um exemplo.

Jessuí – Entendo que quem serve ao próximo em nome de Deus não deve preocupar-se com o crescimento. O reino de Deus é quem deve vir em primeiro lugar. Agora, posso citar o exemplo de uma congregação em Valença, BA, que surgiu na comunidade, de forma espontânea, em decorrência do trabalho de envolvimento social genuíno e concreto. Existem outros casos Este, no entanto, me chamou a atenção porque essa pequena congregação acabou por tornar-se uma grande igreja, com pessoas da própria comunidade.

Defesa da Fé – Com sua experiência, o evangélico está mais sensível e consciente de sua missão com os pobres?

Jessuí – Aos poucos, percebe-se um crescente envolvimento dos crentes. Como a igreja é grande e expressiva, muito ainda poderá ser feito, mas a compreensão do trabalho e de como responder às diferentes necessidades precisam de aprimoramentos.

Defesa da Fé – Como uma igreja pode começar desenvolvendo um projeto social eficiente?

Jessuí – Existem alguns passos concretos que podem ser dados. Primeiramente, a igreja deve preparar-se gastando algum tempo num processo de análise e reflexão que leve os crentes ao comprometimento. Em segundo lugar, deve conhecer as necessidades das pessoas ou do grupo em foco e buscar informações com outras ONG’s que permitam responder, de maneira eficaz, suas expectativas. Em terceiro, deve aprender com as experiências de outrem. E, por último, deve estruturar seu projeto, começando com ações pequenas até que, aos poucos, consiga ampliá-las.

Defesa da Fé – Como as igrejas podem evitar que seus trabalhos sociais sejam interpretados como simples marketing ou uma arapuca para atrair fiéis?

Jessuí – Isso é inaceitável do ponto de vista legal e ético. Um trabalho bem feito, que prima pela qualidade, certamente obterá reconhecimento. A qualidade técnica e de gestão na área social acaba sendo o próprio marketing do projeto. No entanto, devemos tomar cuidado, pois nenhum trabalho focado unicamente no marketing subsitirá. Minha experiência diz que os projetos que utilizaram os trabalhos sociais como “isca” não tiveram vida longa ou resultados esperados.

Defesa da Fé – O cristianismo leva alguma vantagem frente a outras religiões quando se trata de solidariedade e filantropia?

Jessuí – A solidariedade está intrinsecamente relacionada com o cristianismo. No Antigo Testamento, o amor valia tanto para o israelita como para o estrangeiro, que era considerado o próximo. No Novo Testamento, Jesus amplia este conceito do ethos do amor. Ele não se dirige àqueles próximos pré-determinados, mas se torna próximo do necessitado. O necessitado é quem vem a mim, exibindo no rosto uma recomendação da parte de Deus, para que eu me aproxime dele. É justamente isso que faz a diferença no cristianismo.

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