• Missões



    Índia - O berço dos deuses

  • Missões - Índia

Por Jamierson Oliveira

Viajar para a Índia é uma experiência marcante para qualquer pessoa, particularmente para o cristão. Ao chegar no país, o segundo mais populoso do mundo, os sentimentos mais profundos do visitante são despertados. A começar pela visão espetacular do fervilhar das cidades, que mistura harmonia e caos numa realidade perturbadora para os ocidentais, pelo ar impregnado de odores exóticos dos temperos e comidas vendidas ao céu aberto e das flores das oferendas nos altares. Isso sem contar a babel lingüística: ao todo, são 1652 línguas faladas. E também o exotismo das roupas, dos meios de transportes e das construções milenares estilo indo-islâmico, do qual seu melhor representante é o mausoléu Taj Mahal, construído, entre 1631 e 1648, por cerca de vinte mil trabalhadores, e serve como túmulo de Arjumand Banu Bagam, esposa favorita do imperador mongol Sha Jahan.

Espiritualmente, pode-se dizer que, ao visitar a Índia, é possível sentir o mesmo que o apóstolo Paulo sentiu ao chegar na cosmopolita Atenas, a "Mumbai" da Grécia antiga: "E, enquanto Paulo os esperava em Atenas, o seu espírito se comovia em si mesmo, vendo a cidade tão entregue à idolatria." (At 17.16). Isso se justifica pelo fato de o país ser o mais místico do mundo. Acredita-se que mais de 33 milhões de deuses e 200 mil vacas sejam adoradas por 80% dos indianos, pertencentes ao hinduísmo, religião majoritária, politeísta e milenar.

Deparar-se com essa realidade nas cidades e vilarejos indianos é um verdadeiro desafio à chamada missionária. Ao desembarcarem nos agitados aeroportos e seguirem para o seu campo de trabalho, fosse em regiões urbanas ou rurais, todos os missionários que conheci, com experiência nesse país, choraram e sentiram grande perturbação de espírito diante de tão estranha e desafiadora realidade.

Mas, por outro lado, a Índia é um país encantador e culturalmente fascinante. É um lugar com grandes contrastes, onde beleza e pobreza convivem numa sociedade tão peculiar que é impossível a comparação com o mundo ocidental. Por isso a Índia desperta tanta curiosidade e tantos encantos aos que escolhem o país como destino. Embora seja, como toda ex-colônia, desconfiada com estrangeiros, os indianos, porém, são amistosos e de fácil amizade.

Para compreender melhor todo o contexto desse país, é necessário conhecer um pouco sua história, geografia, arte, política e, acima de tudo, entender como a religião atinge fortemente a vida de seus habitantes.


Um conturbado contexto histórico


A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, com uma população absoluta superior a 1 bilhão de habitantes. Estima-se que até 2020 passará a China em população e atividade econômica. A cada quilômetro quadrado moram, em média, 340 pessoas, uma densidade populacional 17 vezes maior que a do Brasil.

Com uma história de mais de cinco mil anos, abriga curiosidades que surpreendem qualquer pesquisador. Uma história de lutas e sofrimento, pois é um dos países do mundo que mais fora invadido por outras nações. E, atualmente, ainda vive sob forte tensão: de um lado o Paquistão, com o qual trava um conflito armado na disputa pela rica região da Caxemira; do outro, a China, que, pela invasão do Tibete, é constantemente uma ameaça à soberania de suas fronteiras. O risco que todos nós corremos com esse impasse é que os três gigantes asiáticos são potências nucleares.

Apresentando um vigoroso crescimento econômico nos últimos vinte anos, a Índia já ameaça a poderosa China em investimentos estrangeiros, atraídos pela tradição de bom desempenho nas ciências exatas, como matemática e física, desse país. Sua mão-de-obra barata e incentivos fiscais também têm contribuído para despertar o interesse das principais empresas do mundo. E, por conta disso, é, hoje, um dos líderes mundiais em produção de alta tecnologia, o que tem ajudado a reduzir a desigualdade em que vive a maioria absoluta da população.

Todavia, os desafios sociais são enormes. Pesquisas oficiais mostram que 70% da população (600 milhões) vive abaixo da linha da pobreza, e mais de 300 milhões vivem na indigência e na mais completa miséria. E tudo isso, por incrível que pareça, não gera conflitos significativos na ordem social e pública. Especialistas observam que esse fenômeno se deve à estrutura social em que a Índia está organizada, em castas, e na forte tradição religiosa. Ou seja, de certa forma, segundo o hinduísmo, a pobreza é uma virtude e não algo necessariamente repulsivo. É uma forma de desapego das riquezas e prazeres mundanos.

Por outro lado, e não poderia ser diferente, o comércio é muito forte, impulsionado por um intenso consumismo. Influência dos ocidentais. Nas lojas, todo mundo quer vender, e temos de barganhar muito para comprar por um preço justo.

O certo é que, quando se viaja pela Índia, percebe-se quão grande é o desafio das autoridades em melhorar, de uma forma ou de outra, a vida de uma população tão grande e complexa. Como bem resumiu o repórter turístico, Yoko Nakamura, após quatro visitas a esse país milenar e continental, como guia de viagem:

"Quando começo a mostrar as fotos e falar dos lugares, sempre sinto uma pequena frustração, pois não consigo transmitir o que é essencial sobre esse povo. O que conta não é a minha mala cheia de presentes, roupas e artigos tão baratos lá, nem os rolos de filmes que usamos para registrar os lugares onde passamos. O que conta de verdade são as coisas que vivenciamos nesse país, são os limites interiores com os quais somos obrigados a nos confrontar e a invariável comparação que fazemos entre o modo de vida deles e o nosso. Quase ninguém tem geladeira, videocassete ou chuveiro elétrico em casa, e poucos deles almejam esses itens essenciais para nós. Aliás, não desejam mais do que comida diária e um espaço qualquer onde possam dormir. É aí que começo a questionar a nossa vida estressada e cheia de ansiedade: queremos ter carro do ano, uma casa maior, apartamento na praia, casa no campo, TV a cabo, computador, Internet, etc. Acho justo ter tudo isso, mas será que vale a pena gastar todo o nosso tempo e toda a nossa vida lutando para conseguir essas coisas e, depois, para mantê-las?"

Refletindo sobre essas palavras, nos vem à mente o que Jesus disse: "Não estejais apreensivos pela vossa vida, sobre o que comereis, nem pelo corpo, sobre o que vestireis. Mais é a vida do que o sustento, e o corpo mais do que as vestes" (Lc 12.23).


Desafios muito maiores que os terrenos


Do nascimento à morte, a vida dos indianos é regida por cerimônias e preceitos sagrados hindus. É inconcebível para eles tomar qualquer decisão sem levar em consideração as várias implicações religiosas de cada um de seus atos. E mais. Dependendo da casta a que pertence, a atitude de um indiano será diferente da de outro de uma classe que não é a sua. Como dito anteriormente, essa estrutura social indiana ajudou a manter o controle de um país tão populoso como a Índia. Por outro lado, tem sido um grande desafio para os governantes resolverem os problemas sociais, tais como: emprego, saúde pública, educação, etc. Como colocar numa sala de aula alunos de diferentes castas? Como convencer os brâmanes, a classe dos nobres, que os parias, a classe dos excluídos, possuem os mesmos direitos que eles?

As primeiras referências históricas sobre a existência de castas se encontram em um livro sagrado hindu, chamado Manu, possivelmente escrito entre 600 e 250 a.C. Define-se casta como um grupo social hereditário, no qual a condição do indivíduo passa de pai para filho, endógamo, pois ele só pode casar-se com pessoas de seu próprio grupo. Além disso, todos já estão predeterminados quanto à sua profissão, hábitos alimentares, vestuário, etc.


Tipos de castas


Originalmente, as castas eram apenas quatro:

 Brâmanes - Os religiosos, os nobres e os mestres.

 Xatrias - Os guerreiros e os governantes.

 Vaixias - Os camponeses e comerciantes

 Sudras - Os escravos e trabalhadores braçais.

 Parias - Os sem-castas ou intocáveis

Além dessas principais, têm surgido centenas de subdivisões (aproximadamente, 6.400 castas) complicando ainda mais uma já inchada estrutura social. Os parias são condenados aos trabalhos mais degradantes e malpagos. Apesar da luta de Gandhi, que costumava chamar esse grupo de harijan, que significa "povo de Deus", ainda hoje são discriminados, insultados publicamente, proibidos de entrar em templo e em muitos outros locais públicos. Toda atividade vil, rejeitada pelas castas superiores, é reservada aos parias. Trabalhos de alto risco de contaminação são executados por eles sem a menor proteção. Exemplos: lixo hospitalar, limpeza de bueiros e fossas, cremação de defuntos, fábricas de adubos, etc.

Nascer na Índia significa nascer dentro de uma dessas castas. Mesmo após a independência, e de inúmeras leis criadas na tentativa de eliminar ou amenizar os problemas que o sistema de castas acarreta, essas leis revelam-se impotentes diante da tradição, e o sistema subsiste.

Esse sistema é a base do hinduísmo e, dessa forma, a religião se torna um poderoso elemento social disciplinador e apaziguador: virtude e resignação são as palavras-chave na postura moral do indivíduo.

Esse quadro é um grande desafio para os missionários, uma vez que os estrangeiros que convivem com os intocáveis (entram em suas casas, comem em companhia deles) passam, também, a ser considerados impuros, restringindo, assim, o acesso desse missionário a muitos serviços e facilidade.


A fé como referência de vida


O hinduísmo é considerado a religião mais antiga do mundo. E é na Índia onde se concentram quase 90% dos hindus do mundo. O hinduísmo não tem uma organização estrutural (igreja, padres, etc.), nem um livro sagrado, como a Bíblia ou o Corão islâmico, sendo praticado de formas diferentes em regiões distintas. A principal característica é o politeísmo e, apesar de milhares de deuses, as principais divindades são Brahma, o Criador; Vishnu, o Mantedor, e Shiva, o Destruidor e Regenerador, formando uma triunidade em torno da qual se agrupam os outros deuses menores.

Os seguidores do hinduísmo crêem na imortalidade da alma, no ciclo reencarnatório, que visa a libertação dela, e na fusão final com Deus, pela purificação, pelo culto e pela prática religiosa. Segundo o carma de cada indivíduo (o caminho rumo à perfeição), o homem tem muitas vidas, e seus sofrimentos correspondem aos obstáculos desse caminho.

Ascetismo e disciplina e a prática da ioga são meios de purificar o corpo, na busca da pureza da alma. Devem ser seguidas também normas ligadas à alimentação, celebrações, peregrinações, etc.

Mas a Índia não é só hinduísmo. O islamismo já é a segunda maior religião professada, são quase 12% da população (ou seja, 120 milhões de muçulmano) que crescem principalmente entre os parias, gerando conflitos sangrentos e caos em algumas regiões. Hoje, a Índia já é o segundo país do mundo em número de muçulmano, passando em breve a Indonésia, a primeira colocada.


Desafio missionário


Após 200 anos de missões, iniciados por Guilherme Carey, os cristãos indianos afirmam, com orgulho, que a evangelização por lá começou com o apóstolo Tomé, discípulo de Jesus. No Estado de Kerala somente 2% dos habitantes são cristãos. A maioria dos cristãos se encontra nos Estados de Kerala e Tamil Nadu, no Sul da Índia, e, desde o final do século passado, em Nagaland, Mizoram e Manipur, no Nordeste. Tem havido também movimento popular, a exemplo das tribos em Andhara Pradesh.

Em 1970, havia 5.768 missionários estrangeiros na Índia. Devido à lei promulgada para proibir a entrada de missionários para evangelização, atualmente há somente cerca de 900 obreiros no país. Ao mesmo tempo, as igrejas indianas sentiram a necessidade de executar a tarefa. Em 1973, existiam apenas 420 missionários indígenas. Hoje, há mais de 11 mil missionários, sendo, aproximadamente, metade transculturais, trabalhando em outros grupos de povos não-alcançados dentro da Índia e fora, e 110 missões nativas.

O hinduísmo está em alta com o Partido Bharatiya Janatha, que propaga "a Índia somente para os hindus". Embora tenham perdido as eleições de 1996, conseguiram, porém, implantar, em alguns Estados, uma Lei contra a conversão religiosa. E o resultado disso é a dificuldade de levar o evangelho para mais de 600 aldeias que continuam totalmente não-alcançadas.

A Bíblia Sagrada, o Novo Testamento, ou porções dele, está disponível em menos de 150 línguas. Há, no mínimo, a necessidade de se traduzir a Bíblia para as 250 línguas mais faladas, cada uma delas, por mais de 100.000 pessoas. Muitas línguas ainda não têm escrita e as missões, além de criar a representação de palavras, têm de alfabetizar os povos antes de traduzir a Bíblia para eles.


Fontes:

A Portrait of India, de Church Growth Research Centre, Madras.

Mission Mandate, Índia 2000.

Intercessão Mundial, de Patrick Johnstone, Horizontes.

Indian Evangelical Mission (IEM), por Margaretha Nalina Adiwardana.


Ícones feitos por Freepik from www.flaticon.com