Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim (Jo 14.6).
O taoísmo foi, de certa forma, uma reação ao confucionismo e predominou principalmente no Sul da China. Mas, devido ao contexto cultural, as duas religiões apresentam diversas semelhanças. Ou seja, o taoísmo também é um sistema filosófico fortemente influenciado pela religião popular.
O desenvolvimento desta religião relaciona-se ao sábio Lao-tsé ("velho filósofo"), contemporâneo de Confúcio. Ocupou cargos de confiança como zelador dos arquivos do império chinês, na cidade de Loyang, capital da província de Ch´u. A posição estatal do "velho filósofo", entretanto, tomou-o de uma fadiga que estava instalada não em sua carne, mas em seus valores. Isso porque a administração estatal de sua época agia de forma tirânica para com os súditos do império, e isso se refletia no próprio conceito de governo que as autoridades locais possuíam.
A partir de seus ideais pessoais, Lao-tsé passou a expor suas idéias concernentes a uma forma de vida mais modesta como padrão a ser seguido pelos homens; divorciando-se das honrarias e sem necessidade de uma busca infrutífera pelo conhecimento. Este posicionamento culminou com a demissão de seu cargo, recolhendo-se em seu lar.
Uma vez que seus discursos já haviam atraído estudantes e discípulos interessados, espécie de movimento que dispensava, viu-se obrigado a alongar-se do lar estabelecido entre a civilização, para poder buscar paz e meditação longe de todos.
Adquiriu então uma carroça e um boi negro e partiu, abandonando a sociedade na qual estava inserido e que reputava demasiadamente corrupta. Porém, foi impedido pelo amigo Yin-hsi, que após tomar parte em seu plano, impediu-lhe a passagem. Este amigo resolve exortá-lo com palavras que o intimavam a inscrever todos os pontos essenciais de seus ensinamentos para que, após sua partida, todos tivessem acesso, já que esta era a marca que o identificava entre todos.
Foi nesta oportunidade que Lao-tsé redigiu o Tao Te Ching, ou "o caminho e o seu poder", outras vezes traduzido por "o caminho e o princípio moral", um pequeno livro de aproximadamente 5.500 palavras. Diz-se que após a entrega deste documento ao amigo, Lao-Tsé teria subido a montaria com destino ao pôr-do-sol, encerrando neste episódio sua lembrança entre o povo.
Uma segunda versão da história relata o amigo Yin-hsi instando com Lao-Tsé para que o levasse consigo, após ter lido o tratado a pedido redigido, porém, qualquer que tenha sido o real enredo, certo é que a obra foi deixada para trás, passando a ser reconhecida como a primazia literária do taoísmo.
O tratado escrito por Lao-tsé propõe uma modalidade de governo feito com arte, pretensamente escrito para as autoridades da época. Seu tratado tenta implantar entre os dirigentes, um governo que se fortificasse naturalmente e não baseado na tirania. Essa idéia obviamente não alcançou o respeito e, menos ainda, a adesão de qualquer governante contemporâneo.
O Tao Te Ching também tem seu lado filosófico orientando seus portadores a correta forma de procederem para resistirem aos terríveis flagelos que, à época, assolavam a China. Seu conteúdo é tímido, sem a pretensão comum que se observa em obras filosóficas, colocando o homem num plano inferior, exatamente para supostamente ajudá-lo a destituir-se das ambições e capacitando-o a resistir ante as adversidades.
Os estudiosos e historiadores ainda não chegaram a um consenso quanto à data da escrituração deste compêndio, embora tradicionalmente se aceite que o livro tenha sido escrito por Lao-tsé no século VI a.C.
A idéia mais recente sobre este volume qualifica-o como sendo uma compilação datada de 300 a.C. O ambiente que se vislumbra na história que serve de referencial para o texto, está em maior conformidade com uma China atribulada do que com o período que historiadores tradicionalistas defendem.
O Tao Te Ching era considerado fonte da sabedoria e solução para todos os problemas da vida. Ensinava, entre outras coisas, que os homens deveriam viver uma vida simples, sem reconhecimento ou poder. Compaixão, moderação e humilhação são as três bases éticas do taoísmo. Todavia, seu principal conceito é o Tao, algo difícil de explicar, mas que define todas as coisas. Embora rejeitasse a idéia de um Deus criador, o Tao era algo indefinido que existia antes de todas as coisas. Depois desse conceito, o mais importante era o Yin e Yang, o positivo e o negativo, as forças que, segundo o taoísmo, equilibram todas as coisas. É o conceito que está por trás das artes marciais, da acupuntura, do Tai Chi Cuan, e do Feng Shui.
A formação do cânon taoísta ainda contou com a importante participação de um dos discípulos de Lao-tsé, Tchuang-tseu, que escreveu 33 livros (número aproximado) sobre a filosofia de Lao-tsé. Resultado: 1.120 volumes, os quais compõem o cânon taoísta. Depois de Lao-tsé, esse discípulo é o mais importante representante do taoísmo. As explanações de Tchuang-tseu sobre a matéria derivada do taoísmo evidenciam seu caráter filosófico, o qual ele ajudou a popularizar. Podemos constatar isso em suas próprias palavras, quando diz: "Certa feita, eu, Chuang Chou, sonhei que era uma borboleta e que me sentia feliz como uma borboleta [...] Subitamente, despertei, e lá estava eu, um bem visível Chou. Não sei dizer se foi Chou quem sonhou que era uma borboleta, ou se uma borboleta sonhou que era Chou. Entre Chou e uma borboleta deve haver uma distinção. Chama-se isso de transmutação das coisas".
A respeito da morte de sua esposa, afirmou: "...Quando ela morreu, como poderia deixar de ser afetado? Mas quando repensei sobre a questão, percebi que, originalmente, ela não tivera vida, e não somente não tivera vida, mas também não tivera forma, e não somente não tivera forma, mas também não tivera força material. No limbo, entre a existência e a não-existência, houve uma transmutação, e a força material evoluiu...". Estas colocações demonstram-nos o quanto este discípulo primava pela responsabilidade filosófica quanto à fundamentação dos ensinos de Lao-tsé para o taoísmo.
O conceito principal do Tao Te Ching é aquele que se refere ao Tao, o qual não permite a simplicidade em sua elucidação, uma vez que, como a palavra "Tao" literalmente signifique "caminho" ou "vereda", é certo que seu pensamento vai muito além disso.
Assim, as palavras de abertura do Tao Te Ching, numa explanação um tanto complexa, exprimem que o Tao (caminho) que porventura possibilite sua própria compreensão, não pode ser o verdadeiro Tao (caminho). O entendimento deste conceito se firma na tese que diz que o nome que pode ser pronunciado não pode ser um nome verdadeiro.
Vemos na famosa declaração taoísta o seguinte: "Aqueles que sabem, não dizem; e aqueles que dizem, não sabem". Por se expor dessa forma, a palavra Tao é reputada como sendo da língua de origem, expressão e significado misteriosos; acima de toda a compreensão, imaginação e bom senso humano. Todavia, é daqui que se parte se o adepto desejar encontrar o caminho para a realidade última, ou seja, a verdade máxima sobre toda a existência. Seria, num conceito mais simplificado, o caminho do universo, aquele através do qual o indivíduo teria condições de dirigir sua vida.
Quanto a este tema, levanta-se a questão: Dada a complexidade que envolve toda a aura taoísta, como poderia alguém basear, estruturar ou alinhar sua vida a partir do Tao? Se a filiação ao "caminho do Tao" é o alvo a ser seguido pelo homem, como deverá proceder o indivíduo para alcançá-lo?
A resposta taoísta para estes questionamentos previsíveis é verificada no próprio Tao Te Ching, que descobre esta possibilidade aos seus seguidores, mediante o exercício da iniciativa básica, a qual se denomina Wu Wei, significando, literalmente, "inação".
Este princípio abomina toda forma de violência, seja física, verbal ou mesmo aquela que reside apenas em nosso inconsciente. O homem então tem de cultivar atitudes espontâneas, promovendo uma existência pacífica entre os demais, distanciando toda forma de tensão e agressividade e possibilitando uma convivência harmoniosa entre o homem e a natureza. Esta é a única autêntica manifestação de vida que está genuinamente alicerçada no Tao.
Assim como não existe hinduísmo sem ioga, não existe taoísmo sem o conceito de yin-yang. Ele sintetiza as duas partes contraditórias e complementares dos fenômenos da natureza e que se relacionam mutuamente. Pode representar tanto os dois fatores opostos, assim como duas partes que compõem a essência de um aspecto. As propriedades básica do yin-yang são: todas as coisas de tendência a fluir para cima, para fora, o aspecto da claridade, mobilidade, excitação, vitalidade, calor, insubstanciabilidade, atividades funcionais, rápidas e claras pertencem a Yang. Ao contrário, todas as coisas com a tendência para fluir para baixo, para dentro, obscuridade, tranqüilidade, inibição, astenia, esfriamento, coisa substancial e pesada pertencem a Yin.
A natureza de Yin ou de Yang não é absoluta mas relativa, já que a exigência é determinada pelas condições interiores. Cada aspecto compreende duas partes contraditórias, Yin e Yang. Ambos transformam-se mutuamente sob determinadas circunstâncias, mas dentro da parte Yin e da parte Yang está incluída a sua parte oposta, ou seja, dentro da natureza Yang, está o Yin e vice-versa.
Cada um destes princípios é interdependente e expressa de forma diversa o Tao. A participação do homem neste princípio está referido como "misturar-se com o ciclo universal, todavia sem esforçar-se, unindo-se ao Tao, e portanto, alcançando o objetivo".
Originariamente do território e da cultura chinesa, surgiu um conceito de maior amplitude a respeito do Yin e do Yang, o qual ensina que uma vida harmônica pode ser adquirida tão somente quando operamos de modo a permitir que estas duas forças interajam.
Taoísmo filosófico
Esta vertente se apega às tradições verdadeiramente taoístas. Estamos falando de um ramo ateísta que não aceita nenhum Deus pessoal. O taoísmo que se ampara na filosofia tem suas origens anotadas em 300 a.C. e descreve o Tao como a fonte da verdade última, isto é, inatingível e inabalável, tentando instalar o homem numa relação harmoniosa com a natureza, para permitir-lhe o livre exercício de suas faculdades instintivas e imaginárias.
O taoísmo religioso
Como herança religiosa, o taoísmo popular transformou-se em uma religião de magia, exorcismos e culto aos antepassados. É extremamente politeísta, idólatra e esotérica, praticante da necromancia.
A partir do imperador Han (século 7o d.C.), Lao-tsé passou a ser adorado. Por isso, agora, o taoísmo possui sacerdócio, templos, sacrifícios e iniciações para os discípulos, além de crer na vinda de uma era de paz e harmonia que transformará a presente era.
Durante o desenvolvimento desta corrente, implantou-se gradualmente o panteão de deuses, formando-se consenso sobre a existência do céu e do inferno, culminando, quase que num último estágio de desenvolvimento religioso, com deificação do precursor Lao-tsé.
O taoísmo tem suas raízes na figura misteriosa de Lao Tsé; alguém de cuja história pouco se sabe e, mesmo o que é conhecido, carece de credibilidade. Em verdade, é difícil definir o que é lenda e o que é verdade em relação à sua vida. Aliás, há até historiadores que chegam a ponto de protestar o fato de realmente ele ter existido e isso devido aos precários relatos que apontam a data de seu nascimento que se apresenta com variação em mais de meio século (entre 604 e 570 a.C.).
Pelo menos duas narrativas sobre sua vida podem nos dar uma noção das razões para esse ceticismo. A primeira delas declara que Lao Tsé já nasceu com idade avançada com cabelos e barba brancos, além das rugas características de todo ancião. A outra narrativa diz-nos sobre um estranho apelido que sua mãe lhe teria conferido: "orelhas de ameixeira". Esse seria o "carinhoso apelido" com que sua mãe lhe referia, justificando-se pelo fato de o ancião ter nascido embaixo de uma ameixeira e também devido às orelhas enormes que possuía.
Segundo o taoísmo o corpo humano deve ser entendido como um sistema de energia composto, o que os taoístas chamam de ch'i, que é a energia ou fluxo vital, isto é, o sangue. Entretanto, num sentido mais estrito ch'i ainda pode referir-se à respiração ou à consciência. Diante disso, se estabelece intrínseco relacionamento entre o corpo a mente e o meio ambiente, características que conduziram os adeptos da filosofia taoísta ao desenvolvimento de variadas técnicas médicas alternativas as quais baseiam-se nas linhas meridianas do corpo. Mas o que seriam os meridianos? Conforme a filosofia taoísta, trata-se de canais que conduzem o ch'i através de todo o corpo humano. Eles seriam os responsáveis pela alimentação dos órgãos vitais e pelo equilíbrio entre o yin e o yang. No corpo humano, o interior é Yin e a superfície é Yang; porém os órgãos internos podem dividir-se em Yin e Yang. Os cinco órgãos - coração, fígado, baço ou pâncreas, pulmão e rins são Yin. As seis vísceras - intestino delgado e grosso, vesícula biliar, estômago e bexiga são Yang. As linhas meridianas demarcam-se por pontos no corpo em que a acupuntura auxilia a administrar o fluxo de ch'i.
1 Wing-Tsit Chan, editor, A sourcebook in Chinese Philosophy, Princeton University Press: Princeton, Nova Jérsei, p. 190.
2 Idem, p.209.
© Copyright 2000-2024 Instituto Cristão de Pesquisas
Ícones feitos por Freepik from www.flaticon.com