Verbo



A pontinha do véu


Polêmica e passeatas têm sido provocadas pela recente decisão do governo francês, de proibir a exibição de símbolos religiosos nas escolas e lugares públicos. Leia-se, mais precisamente, o uso do véu pelas mulheres islâmicas.

À primeira vista, parece uma decisão arbitrária. Afinal, por que uma jovem ou senhora não poderia vestir-se da maneira que mais lhe pareça conveniente, ainda mais com a sugestão de modelos extravagantes e ousados, como os que desfilam nas passarelas fashion? Existem, é verdade, os paradigmas sociais e culturais de cada país ou povo. Ninguém estranha, hoje, um visitante trajando vestes hindus ou chinesas, um monge com seu hábitos, um africano ostentando detalhes nativos... Por outro lado, ditames éticos impedem, por exemplo, que um indígena circule pelas ruas de uma cidade com a mesma nudez que exibe lá no interior das matas! Afinal, moda é moda!...

A questão das burkas e shadors ultrapassa estas limitações. Primeiramente, estão inseridas num contexto cultural. Qualquer visitante, andando pelos bairros de Berlim (Alemanha), por exemplo, como Kreuzberg, Neukölln, Schoeneberg, Sonnenallee e tantos outros, perceberá grande quantidade de mulheres, com véus e roupas que caracterizam a cultura turca. E essa influência tem atingido outros países também.

É plausível que o temor de uma dominação ideológica do Oriente esteja fomentando reações como a do governo Chirac, proibindo o véu feminino, nas escolas e universidades públicas. Discriminação? É o grito de guerra das manifestantes desfilando pela "Champs-Elysées", pelo Lustgarten e em múltiplas manifestações de protesto. Não entendo que as medidas se assemelhem a uma cruzada em que Chirac e Raffarin tentem libertar a Cidade Santa dos sultões infiéis! Não se trata disso.

A questão do véu tem outros enfoques. Como o que foi analisado pela Dra. Luísa Nagib Eluf, num belo artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, atrelando a ideologia do véu (e da burka, dentre outros costumes islâmicos) a uma postura machista, de dominação e alienação da mulher. A argumentação é válida: encontra eco nos meios intelectuais e modernizados da cultura muçulmana, como algumas correntes políticas no Irã, as tendências da Turquia em relação ao Ocidente e à União Européia. Note-se que as universidades turcas não permitem o uso do véu dentro das salas, e já o restringem, provavelmente, em vista de uma aproximação cultural aos padrões europeus. Essa adaptação torna-se evidente nas ruas de Berlim, por exemplo, em que mulheres envoltas em panos, de acordo com os padrões de Maomé, caminham com outras, são jovens exibindo beleza e cabelos negros, ao vento e à neve, nos mais modernos padrões do comportamento ocidental...

Com a insistência de algumas muçulmanas, principalmente professoras de escolas públicas, em utilizar o véu na docência, o problema transcendeu os limites da escolha pessoal e chegou às instâncias dos tribunais. Na Alemanha, a decisão final remeteu aos governos estaduais a decisão sobre o assunto. No departamento de Baden-Württenberg, vizinho à Bavária, o governo democrata-cristão definiu-se pela proibição. O presidente Jacques Chirac, na França, foi além e apresentou projeto, praticamente aprovado, vetando a presença de símbolos religiosos, como o citado véu, o kepá, e até crucifixos ou grandes sinais exteriores de religiosidade. Medida democraticamente justificável do ponto de vista de que: "se fulano não pode, ninguém mais pode...".

É preciso, porém, levantar a ponta desse véu causador de tanta polêmica. No fundo, o motivo não é esta ou aquela vestimenta, mas, sim, o patrulhamento religioso sobre a política governamental. Nos governos islamitas ainda persiste a teocracia, que já foi banida de quase todas as repúblicas ocidentais. Aliás, não se pode negar que, até no Brasil, ainda persiste um saudosismo dos tempos em que o "catolicismo era a religião oficial" e certamente há os que desejariam um retrocesso àqueles padrões monárquicos! Em suma, é justamente na separação de poderes, entre Estado e Igreja, que deve residir a preocupação fundamental dos legisladores e educadores.


Por Antonio Luiz Gomes

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